'Se subestimarem o perigo que vem de Bolsonaro, teremos um problema', diz professor de Harvard

Os discursos populistas dominantes na Venezuela de Hugo Chávez, na Turquia de Recep Tayyip Erdogan, nos Estados Unidos de Donald Trump e no Brasil de Jair Bolsonaro guardam mais semelhanças entre si do que aparentam. Mais do que isso, apontam para a derrocada de uma "democracia liberal".

É nisso que acredita o alemão Yascha Mounk, cientista político vinculado à Universidade de Harvard que se define como um homem de esquerda a favor da globalização e do capitalismo. Na esteira de uma série de publicações sobre crises democráticas ao redor de mundo, Mounk acaba de lançar a edição brasileira de “O Povo Contra a Democracia”.

“Por causa da desfuncionalidade do sistema político e das circunstâncias locais, não posso dizer que o Bolsonaro vai ser um ditador amanhã ou que a democracia está perdida. Mas, se vocês não fizerem a coisa correta, se subestimarem o perigo que vem dele, teremos um problema”, alertou.

Mounk participou de encontro com o também cientista político Joel Pinheiro da Fonseca, realizado na quinta-feira (25) pela Folha e pela Companhia das Letras, na unidade da avenida Paulista da livraria Martins Fontes. 

 

O autor destacou que o processo de consolidação de um governo populista é lento, podendo levar de três a cinco anos —a exemplo da Turquia—, mas que isso não impede a concretização, mais rápida no cotidiano, de uma retórica autoritária.

 

“Ao mesmo tempo, é importante não fazer drama demais”, afirmou ao comentar as estratégias discursivas da oposição.

 

Joel Pinheiro da Fonseca usou como exemplo a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), que recentemente foi alvo de críticas por se reunir com o governador João Doria (PSDB-SP).

"Por ser de centro-esquerda e não se pautar pela agenda da esquerda mais radical e identitária, tem sido alvo de ataques pesados. Cheguei a ver gente dizendo que ela é pior que os fascistas. Essa, eu imagino, seja uma estratégia perdedora para a oposição."

Tribunais tomados por aliados do governo e intolerância a críticas vindas da mídia independente são apresentadas pelo autor como características de governos populistas. “Na minha compreensão, o que define um populista é a ideia de que ele é o representante legítimo das pessoas e que, se você não concorda com ele, você é um inimigo”, disse.

A postura beligerante por vezes adotada pelos seguidores de Jair Bolsonaro nas redes sociais são, para o professor de Harvard, sintoma de um formato de mídia que radicaliza o discurso político.

“Os seres humanos tendem a se identificar com um grupo. A maior parte dos grupos, no entanto, tem um mix de diferentes visões sobre diversos assuntos, mas, com as redes sociais, essas diferenças são excluídas. Assim, os grupos se organizam, ganham força política e fragmentam o sistema.”

Quando parte da população se sente pessimista em relação ao futuro, explica Mounk, isso gera raiva. Daí surge o aval para que líderes extremistas se coloquem como salvadores da nação.

É por isso que frustração com corrupção, com o progresso econômico e até mesmo com mudanças demográficas são comuns a países que testemunham a ascensão de uma democracia não liberal —que, na compreensão do autor, implica a violação de direitos individuais.

Alemão de origem polonesa e radicado nos Estados Unidos, Mounk disse não acreditar que o nacionalismo seja uma onda passageira ou um fenômeno que algum dia ficou restrito ao século 20. Prefere vê-lo como um animal metade domesticado, metade selvagem. 

“Não podemos entregar esse bicho para as piores pessoas. Elas usam o nacionalismo para dizer que gays não são parte da nação e que opositores também não. Querem transformar seus países numa ditadura. Precisamos usar essa reserva de símbolos sobre o que significa ser um patriota para propósitos positivos”, disse.

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