Mimetismo embala candidato favorito a governar México
Se de fato for eleito neste domingo (1º), como indicam todas as pesquisas, Andrés Manuel López Obrador, 64, será o primeiro presidente nascido no empobrecido sul do México em mais de meio século. Este é só um dos aspectos que farão de sua eleição uma novidade no país.
Será, também, a chegada de um partido novo de esquerda ao poder, o Morena (Movimento Regeneração Nacional) —embora seja necessário recordar que AMLO, como o candidato é chamado, não é ele próprio uma novidade.
O favorito a suceder Enrique Peña Nieto começou a carreira no hoje rival PRI (Partido Revolucionário Institucional), passou à sua dissidência esquerdista, o PRD (Partido da Revolução Democrática) —que chegou a presidir e pelo qual foi chefe de governo da Cidade do México (2000-05)— e só em 2014 fundou sua legenda.
Mas o Morena não estará sozinho no poder. A aliança que comanda AMLO, a Juntos Faremos História, inclui ainda o PT (Partido do Trabalho) e o Encontro Social, uma força política evangélica.
Essa mistura heterodoxa fez com que as promessas de campanha de AMLO até agora não tenham tocado em alguns pontos importantes a esquerdistas modernos, como questões de gênero, aborto, direitos dos homossexuais.
Ou seja, a coalizão se perfila mais como uma esquerda convencional, apesar de ter um eleitorado bastante jovem.
O comediante britânico John Oliver, em seu talk-show na TV, comparou AMLO com o socialista norte-americano Bernie Sanders, que mesmo com a pose e as ideias de um esquerdista antiquado se tornou sucesso entre os jovens.
Formado em Ciências Políticas e Administração pela Universidade Nacional Autônoma do México e autor de 16 livros sobre política e história do país, AMLO evoca com frequência os próceres da Revolução Mexicana (1910) e o presidente modernizador indígena Benito Juárez, herói nacional, que governou o país em cinco ocasiões entre 1858 e 1872.
Entre suas habilidades está usar uma linguagem acessível e direta, estimular o contato físico e as selfies com os apoiadores, além de conhecer bem o México, tendo viajado o país de norte a sul várias vezes.
Para muitos de seus críticos, porém, falta-lhe equilíbrio psicológico para governar.
Uma lembrança constante é a da eleição de 2006, que ele perdeu por uma margem mínima para o direitista Felipe Calderón (PAN), contestou o resultado e levou milhares de apoiadores para acampar com ele no Zócalo (principal praça histórica da cidade) por semanas, autoproclamando-se presidente legítimo, com faixa presidencial e tudo.
Em 2012, AMLO tentou outra estratégia. Dizia abertamente estar se inspirando no brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e apresentou uma versão do "paz e amor" de Lula. Eram os tempos do AMLOve.
Em 2017, López Obrador volta a se mostrar mais radical. Primeiro atacando a ineficácia de Peña Nieto em combater a pobreza e a corrupção e pela resignação do presidente diante dos insultos de Donald Trump aos mexicanos.
AMLO também resgatou sua persona antissistema e, com isso, segue uma tendência vista em outros países e disparou para o topo das pesquisas.
Entre suas propostas estão aumentar subsídios para a agricultura no sul, onde vive a população mais pobre, cortar salários de autoridades (ele diz que abrirá mão de metade do seu) e tentar mudar a Constituição para acabar com o foro privilegiado de presidente e parlamentares.
Outra ideia é um referendo de mandato após três anos —uma consulta popular após a qual o presidente deixaria o cargo se desaprovado.
Diz ainda que as aposentadorias irão dobrar, compensando o gasto com cortes em despesas administrativas, e promete subsídios educacionais e bolsas ("más becarios, menos sicarios" (mais bolsistas, menos matadores), diz.
Ele propõe também uma versão expandida do Nafta (Tratado de Livre-Comércio da América do Norte) para incluir a América Central —um recuo após prometer sair do bloco em aceno ao eleitorado do sul, que o contesta.
Sua plataforma de segurança também é mais suave que as dos antecessores: promete manter o combate ao narcotráfico, mas também debater a legalização das drogas e investir no sistema carcerário.
Quais são as propostas de López Obrador?
Economia Mais participação estatal no setor petroleiro, autonomia do banco central, incentivos à agricultura familiar e indígena e à geração de empregos para diminuir a emigração, PPP de infraestrutura, aumento do salário-mínimo e manutenção dos atuais impostos
Corrupção Descentralização das secretarias, fim do foro privilegiado, corte de cargos de confiança, salários e privilégios dos políticos, fiscalização das empresas de fachada, da lavagem de dinheiro e do conflito de interesses e referendo revogatório de mandato
Educação Gratuidade em todos os níveis da educação pública, bolsas para estudantes pobres dos ensinos superior e técnico e de capacitação de jovens que não trabalham nem estudam e fim da avaliação docente que pode levar a demissão
Segurança Centralização das forças policiais e militares e enviar a anistia aos cartéis do tráfico de drogas a plebiscito
Política Externa Inclusão dos países centro-americanos no Nafta e não interferência em assuntos internos
Eleição de esquerdista deve recalibrar alianças
Para o analista político Javier Corrales, especialista em América Latina pelo Amherst College (Massachusetts, EUA), uma das possíveis mudança nas relações exteriores do México caso de o esquerdista Andrés Manuel López Obrador seja eleito no domingo (1º) é a reaproximação com Cuba e Venezuela.
"Com Cuba a intensidade da relação deve voltar a crescer. O México sempre foi aliado de Cuba, mesmo quando o resto do continente havia virado as costas para a ilha. Nos últimos anos, principalmente no período do PAN (Partido da Aliança Nacional, de direita), de 2000 a 2012, houve novo afastamento, que Enrique Peña Nieto tentou consertar, mas não concluiu."
Quanto à Venezuela, Corrales diz que ainda não está claro, no discurso de AMLO (como o candidato é conhecido), qual será sua posição.
"Imagino que de cautela, com críticas ao regime de Nicolás Maduro, mas não no volume em que Peña Nieto faz. Porém, não podemos descartar que ele veja em governos como os da Venezuela, da Nicarágua e da Bolívia aliados."
Com relação à América do Sul, Corrales espera um rompimento da tendência de eleições de tecnocratas neoliberais nos últimos tempos, que poderia vir a inspirar as esquerdas em países como Brasil, Argentina, Chile e Peru. "Tudo dependerá de como será sua atuação. Mas não é pouca coisa que a segunda maior economia da América Latina gire à esquerda quando se falava de fim da 'onda rosa'."
Em seu discurso de encerramento de campanha, na quarta (27), AMLO pela primeira vez deixou mais claro como pretende se relacionar com os EUA. Apesar de manter o tom anti-imperialista do discurso, disse que tratará o presidente Donald Trump "com respeito" e que, "quando conveniente", proporá uma versão expandida do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, com a América Central.
Esta é uma novidade, já que AMLO dissera que deixaria o Nafta, embora tenha recuado.
Só não ficou claro se ele proporia este acordo incluindo a América Central no lugar do Nafta ou se manteria os dois, (caso Trump aceite, é claro).
Outro item de potencial conflito com os EUA é que AMLO é contra o fato de o atual presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, ter apertado o cerco da fronteira sul do país, deportando e impedindo cada vez mais centro-americanos de entrarem no México a caminho dos EUA.
Peña Nieto tomou essas medidas a pedido do democrata Barack Obama (2009-17) e as reforçou na gestão Trump.
Para AMLO, é preciso repensar como inserir os imigrantes centro-americanos no país ou ajudá-los de outra forma, mas parar com a política de deportação em massa.
Isso poderia gerar problemas na fronteira norte, uma vez que, mesmo com as portas mais fechadas ao sul, ainda assim 9 de cada 10 imigrantes ilegais que entram nos EUA vêm da América Central e apenas um do México, segundo pesquisa do Pew Research Center.
Corrales chama a atenção para as semelhanças entre Trump e AMLO —o fato de ambos falarem em protecionismo e agirem e falarem como populistas, afirma.
Também defendem o "America first", no caso de Trump, enquanto AMLO fala em "México para os mexicanos".
Porém, alerta o estudioso, há muitos assuntos nos quais os dois podem discordar.
"De alguma forma, eles são dois lados da mesma moeda, mas creio que apenas quando de fato López Obrador for eleito é que vamos ver como será essa relação", conclui.
A principal diferença entre eles, talvez, seja a de que Trump tem, nos EUA, um Judiciário e um Congresso mais independentes e que podem conter seus excessos.
O que os analistas mexicanos temem de AMLO é que essas instituições são mais fracas no México. E, segundo as pesquisas, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional) deve conseguir a maior bancada do Congresso, o que lhe daria mais espaço para alterar a Constituição ou tomar medidas mais radicais do que tem seu par norte-americano.
Apesar do tom moderado do encerramento da campanha, López Obrador deve a disparada de sua candidatura às críticas de que Peña Nieto não respondia às agressões de Trump aos mexicanos e não dizia abertamente que o México não iria pagar pelo muro que o norte-americano insiste em construir na fronteira.
Os insultos de Trump aos mexicanos, chamando-os em algumas ocasiões de narcotraficantes e estupradores, levou muitos a apoiarem AMLO como alguém capaz de dar respostas mais à altura que Peña Nieto, que nada dizia.
Uma pesquisa recente mostra que, atualmente, mais de 80% dos mexicanos têm uma visão negativa do presidente norte-americano.
AMLO surfou nessa onda e foi então que sua popularidade começou a subir. Se ele, de fato, depois de eleito, dirá aquilo que seus eleitores esperam que diga ao presidente norte-americano é uma das questões para após o pleito.