Em cúpula com Putin, Trump dará mais do que receberá, segundo especialistas
O apetite do presidente americano, Donald Trump, por um encontro com o líder russo, Vladimir Putin, foi instigado por suas conversas com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, duas semanas atrás, segundo assessores de Trump. Mas é exatamente esse encontro que está provocando inquietação entre especialistas em política externa, incluindo alguns de seu próprio governo.
Eles temem que Trump faça os mesmos tipos de concessão a Putin quando se reunirem em Helsinque em 16 de julho que fez a Kim em Singapura, inclinando ainda mais um relacionamento que já pende a favor de Moscou.
Somente nas últimas semanas, Trump pediu que a Rússia seja readmitida no G7, sugeriu que Moscou tem uma reivindicação legítima à Crimeia porque muitos habitantes de lá falam russo e continuou semeando dúvidas sobre se o Kremlin interferiu na eleição presidencial americana em 2016 --e, nesse caso, se a sabotagem na verdade beneficiou Hillary Clinton.
Em Singapura, Trump saiu de um almoço de porco azedo-e-doce com Kim e declarou que tinha resolvido a crise nuclear com a Coreia do Norte, apesar de o Norte não ter cedido nada em seus programas de armas e mísseis. Trump também cancelou os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, uma concessão há muito desejada por Pyongyang.
Tornou-se um motivo recorrente para Trump como estadista: em novembro, derramou elogios sobre o presidente Xi Jinping, da China, depois de um encontro individual em Pequim, durante o qual Xi não ofereceu concessões concretas sobre comércio —questão mais importante para Trump do que quase todas as outras.
O que esses três líderes têm em comum é que eles são autocratas, que Trump admira e acredita que pode conquistar com uma espécie de diplomacia pessoal que dispensa documentos de informação ou pontos de discussão, e em vez disso conta com uma combinação de elogios, lisonjas e improvisação.
"Trump considera uma boa reunião uma conquista diplomática positiva", disse Michael McFaul, um ex-embaixador americano em Moscou. "Isso é errado. As boas reuniões são um meio para se alcançar um fim."
Diante do histórico de malfeitos da Rússia —da anexação da Crimeia a sua interferência na eleição americana—, disse McFaul, "Trump não deveria elogiar Putin e indicar o desejo de simplesmente seguir em frente". "Isso não serve aos interesses nacionais americanos", acrescentou.
O secretário de Estado, Mike Pompeo, e outras autoridades insistem que o governo Trump tem sido mais duro em relação à Rússia do que foi o governo Obama.
Eles citam as sanções americanas, o armamento das tropas ucranianas, a expulsão de diplomatas e as acusações públicas à Rússia pelos ataques cibernéticos.
Mas mesmo que isso seja verdade —o que ex-autoridades do governo Obama refutam—, a constante recusa de Trump a criticar Putin de modo geral invalidou essas medidas.
"O que importa é o que o presidente diz", afirmou Nicholas Burns, um diplomata que serviu nos governos Clinton e George W. Bush. "E o que ele tem dito mina completamente a política. É como se ele estivesse desligado de seu próprio governo."
Mesmo os que dão crédito ao presidente por tomar medidas que Obama não tomou, como enviar armas letais à Ucrânia, dizem que essas medidas em geral se perdem no abraço mistificador de Trump a Putin.
"Os membros do governo estão concentrados na letra", disse Richard Haass, presidente do Conselho para Relações Exteriores. "Mas eles estão ignorando a música. Algumas letras são duras, mas a música é uma canção de amor."
Trump afirma que seus relacionamentos pessoais acabarão produzindo resultados que escaparam a seus antecessores mais convencionais. Em uma entrevista à Fox News depois da cúpula de Singapura, ele disse que se pudesse jantar com Putin conseguiria convencê-lo a se retirar da Síria e parar de predar a Ucrânia.
"Eu poderia dizer: 'Você me faria um favor? Poderia sair da Síria?'", disse Trump. "'Você me faria um favor? Poderia sair da Ucrânia?'"
Pompeo, que depôs na quarta-feira no Congresso, disse que Trump levantará com Putin a questão da interferência da Rússia na eleição. Mas na última vez que ele fez isso, em uma cúpula regional na Ásia, ele disse a repórteres que acredita que a negação de Putin sobre o envolvimento russo é sincera.
"Toda vez que ele me vê, ele diz: 'Eu não fiz isso', e eu realmente acredito que quando ele diz isso é sincero", disse Trump sobre Putin. "Acho que ele fica muito insultado com isso, o que não é bom para nosso país."
McFaul previu que Putin seria um interlocutor formidável em uma reunião individual, bem informado sobre a política externa americana e decidido a usar esse conhecimento para minar as políticas do governo americano, especialmente sobre a Ucrânia.
Uma linha comum na abordagem de Trump aos autocratas, segundo Haass, é que ele vê essas relações como não tendo uma história, nenhuma bagagem que restrinja como esses líderes podem agir. Eles são meramente encontros pessoais, sem nenhuma das trocas ou compromissos que geralmente caracterizam as cúpulas de Estado.
Trump não é o primeiro presidente a dar um alto valor à construção de uma relação com líderes russos. Bill Clinton fez isso com Boris Ieltsin; Bush tentou com Putin; Barack Obama cultivou Dmitri Medvedev, que foi presidente entre dois mandatos de Putin. Mas só Trump fez disso virtualmente sua agenda inteira.
Isso não quer dizer que ele e Putin não tenham questões profundas para discutir.
Alguns analistas especularam que Trump procuraria um terreno comum sobre a Síria. Durante a transição do governo, seus assessores haviam considerado suspender as sanções contra a Rússia em troca de sua cooperação com os EUA contra o Irã na Síria. A ideia foi posta de lado, mas alguns se perguntam se o presidente poderia reanimá-la.
"Trump está tentando fazer Putin agir contra os iranianos na Síria?", disse Martin Indyk, um ex-embaixador americano em Israel. "Nesse caso, que preço ele está disposto a pagar?"
Tal proposta tornaria a reunião de Trump com Putin mais substancial do que as com Kim ou Xi. Mas convencer a Rússia a mudar sua estratégia na Síria seria difícil, e levantar as sanções contra Moscou causaria outro racha com aliados europeus já injuriados por Trump. Em suma, exigiria que o presidente se envolvesse em um recuo diplomático que ele até agora evitou.
Como escreveu certa vez o ex-secretário de Estado Henry Kissinger: "É perigoso contar com a personalidade ou técnicas de negociação para superar impasses; elas não podem redimir os fracassos de uma estratégia mal deliberada."