A era do futecbol e os idiotas da subjetividade
“A tendência, pois é inútil lutar contra o avanço implacável da tecnologia, é que o futebol como ele é esteja morto. Será outro esporte, tremendamente influenciado pelo mundo tec, e que pode ser rebatizado. Futecbol. Muito em breve, viveremos a era do futecbol.”
Desse modo encerrei post publicado em 11 de março de 2016 – dois anos e três meses atrás –no qual comentava a decisão das autoridades do futebol de realizar testes para ampliar o uso da tecnologia no futebol.
Era o silencioso nascimento do VAR (video assistant referee, árbitro assistente de vídeo), o grande personagem da Copa do Mundo da Rússia, que dá início neste sábado (30) à etapa de mata-matas.
Para mim não é nenhuma surpresa o protagonismo do VAR. Participei seis dias antes do início do Mundial do programa Fale, Blogueiro, da Folha, e fui assertivo: “Anote: o VAR vai roubar a cena”.
Roubou, e como. Não é necessário expor todas as jogadas que, mesmo com o VAR – a aclamada solução para os erros crassos, o “paladino da justiça” – operacional, houve claríssima injustiça.
Cito apenas duas, nenhuma lesiva ao Brasil, para não parecer patriotada.
Alemanha x Suécia, 0 a 0. O sueco Berg, em um contra-ataque, entra na grande área, cara a cara com o goleiro, e Boateng o empurra escandalosamente.
Pênalti com P maiúsculo, que deveria resultar na expulsão do alemão, pois era o chamado “último homem” da defesa e impediu a finalização.
Cadê o VAR? Placar final: Alemanha 2 x 1 Suécia.
Sérvia x Suíça, 1 a 1. O sérvio Mitrovic, em um cruzamento na área suíça, é agarrado e derrubado não por um, mas por dois rivais.
Mais pênalti que isso, impossível. Só se o atacante fosse espancado.
Cadê o VAR? Placar final: Suíça 2 x 1 Sérvia.
Eis as palavras de um revoltado (com razão) Savo Milosevic, vice-presidente da federação sérvia, após a partida:
“Entendo que o juiz não viu [a falta], mas é para isso que existe o VAR. O que aqueles caras estão fazendo lá em cima? Precisamos de mais quatro homens lá, precisamos de cem pessoas operando o VAR para enxergar uma coisa que todos conseguem ver perfeitamente?”.
Para entendimento do leitor, os árbitros assistentes de vídeo são quatro a cada jogo (um chefe e três auxiliares), e o “lá em cima” mencionado por Milosevic é a sala da videoarbitragem, que durante a Copa do Mundo não fica em cada estádio, mas em uma central de vídeo em Moscou, a capital russa.
Ressalto: o VAR tem tido vários acertos, porém são os erros que ficam. O erros chamam mais a atenção que os acertos, especialmente se clamorosos. Desmoralizam.
O VAR tem a missão de interferir em lances capitais, alertando o juiz, dizendo-lhe explicitamente, por exemplo: “A conclusão, pelas imagens, é de falta. Olhe o replay, em determinado ângulo”.
Se o árbitro de campo, alertado, não quiser ir até o monitor, aí é imperioso que explique a razão. Se decidir ir e mesmo assim não enxergar o óbvio, aí que seja enviado para uma reciclagem.
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A justificativa dos defensores do VAR será eternamente a mesma: a subjetividade. O que é claro na visão de um, não é na visão de outro.
Está errado. Um empurrão não é subjetivo. Dois jogadores derrubarem outro não é interpretativo. É falta, e indecorosa. Basta ter olhos para ver no replay.
A verdade é que a tecnologia, levando a tiracolo a desculpa da subjetividade para amainar sua imperfeição, dominou o futebol, e mais rápido do que eu imaginava.
Aquele “muito em breve”, do início deste texto, é agora.
Muita gente não se deu conta, mas o esporte já mudou de nome, basta oficializar.
Estamos na era do futecbol. E com um agravante: nas mãos de idiotas da subjetividade.
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