Apps ajudam imigrantes no Brasil e no mundo com informação e serviços
Aos 19 anos, Deyvid Morales pegou um ônibus para atravessar boa parte dos EUA e se mudar para a Louisiana, onde cursaria teologia.
Quase chegando, um agente de fronteira pediu seus documentos. Acabou ali seu sonho de fazer universidade: ele ficou detido por duas semanas em um centro de deportação e por mais um ano e dois meses em prisão domiciliar.
Nascido no México, Morales, 27, entrou nos EUA com a família aos 9 anos, de forma irregular. Até então, nunca havia tido problemas com seu status migratório.
“Foi aí que me dei conta de todos os abusos e injustiças”, contou à Folha. “Fiquei em um quarto junto a cem pessoas, com apenas quatro banheiros, sem paredes, sem privacidade. Estava ao lado de pessoas que não cometeram nenhum crime, mas seriam deportadas.”
Durante a prisão domiciliar, “para não desanimar por estar trancado em casa”, Morales aprendeu programação de forma autodidata, com vídeos no YouTube e pesquisas no Google.
Decidiu então criar um aplicativo com informações sobre direitos para imigrantes como ele: o Derechos Herencia, lançado em 2013.
“Quando fui preso, não conhecia meus direitos e não sabia o que fazer”, lembra. “Queria mostrar para as pessoas suas opções legais, uma lista de consulados, números de emergência ou seja, tudo o que eu gostaria de saber naquela época.”
O Derechos Herencia foi descontinuado após dois anos. Em 2016, quando Donald Trump venceu as eleições com um forte discurso anti-imigração, Morales criou outro app parecido, o Derecho de Inmigrantes.
Também de forma voluntária, ele lançou um novo aplicativo para o mesmo público: o DACA Scholars, com dicas de bolsas de estudo para imigrantes em situação irregular. “Muitos nem sabem que podem ir à universidade.
As leis sobre isso são diferentes em cada estado, então existe muita confusão”, diz.
Morales se tornou referência para os imigrantes locais. Virou também um alvo: sofreu dois processos de deportação, desencadeados por multas de trânsito. Ganhou ambos e agora tem green card.
“Quando alguém se torna muito ativo, vira amigo da comunidade, mas inimigo do governo.”
Juntos, seus dois aplicativos somam mais de 55 mil downloads. Ambos são gratuitos: “É informação pública, mas as pessoas não sabem onde procurá-las. Lá está tudo reunido”.
Essa mesma necessidade de concentrar informações levou ao surgimento de vários apps e plataformas voltados para imigrantes pelo mundo.
Criado durante a chegada em massa de refugiados às ilhas gregas em 2015, o Refugee.info, por exemplo, chegou a ser usado por 70% dos refugiados do país, segundo os criadores da plataforma —que fizeram versões para Jordânia e El Salvador e dizem que elas somam 1 milhão de usuários.
Surgido na mesma época, o Tarjimly liga voluntários dispostos a fazer traduções (por chat, telefone ou vídeo) para refugiados. Outra plataforma, o Refunite, conecta vítimas de deslocamento forçado com parentes que se perderam durante a fuga: mais de 40 mil famílias já se reuniram graças ao site.
No Brasil, a chegada de grande quantidade de refugiados venezuelanos nos últimos dois anos levou ao surgimento recente de opções locais.
Lançado em fevereiro de 2019, o OKA, do Instituto Igarapé, traz informações com geolocalização de serviços públicos para imigrantes.
O app foi criado após rodas de conversa com imigrantes em Roraima. “Houve uma primeira onda de otimismo em torno dessas novas tecnologias e alguns erros foram cometidos, como não ouvir os migrantes. Por isso a gente mantém esse diálogo para saber as demandas deles”, diz a coordenadora, Adriana Abdenur.
Uma das conclusões é que o aplicativo teria que ser leve e, uma vez baixado, funcionar sem conexão à internet. “Alguns venezuelanos venderam o celular para arcar com a travessia. Os que têm, têm aparelhos muito simples. Alguns abrigos têm wi-fi, mas com alcance limitado”, diz.
Disponível em espanhol, francês e português, o OKA reúne serviços do Rio de Janeiro e de Boa Vista e está se expandindo para São Paulo e Nueva Loja, cidade do Equador que também recebe muitos venezuelanos.
Segundo um estudo de 2016 do Acnur (comissariado da ONU para refugiados), apesar de 93% dos refugiados do mundo viverem em locais com ao menos cobertura 2G e 62%, com rede 3G, eles têm 50% menos chance de possuir um celular conectado à internet do que a população geral.
Muitos compartilham telefones ou usam boa parte da renda para se conectar, priorizando o acesso a comunicação em relação a outras necessidades —como vestuário, educação e saúde. Na Tanzânia, muitos vendiam um terço de sua porção mensal de comida para comprar créditos de celular, por exemplo.
“A exclusão digital aumenta as barreiras que os refugiados já encaram”, diz Gisele Netto, assistente de campo sênior do Acnur. “Com a conectividade limitada, eles não conseguem informação, que é vital quando chegam a um novo país.”
Em novembro de 2018, o Acnur lançou a versão brasileira da plataforma internacional Help, com informações sobre trâmites legais, educação, saúde, moradia e emprego em cinco idiomas (português, inglês, espanhol, francês e árabe).
“Tínhamos um site institucional para os interessados na causa, mas não tínhamos algo para o próprio refugiado”, diz Gisele.
A equipe chegou a pensar em fazer um aplicativo, mas optou por um site ao ver a experiência de colegas de outros países que tiveram pouquíssimos downloads. “O app é uma ótima ferramenta, mas tem que avaliar se sua população realmente vai usar.
Para uma plataforma com bastante conteúdo estático, nem sempre vale a pena baixar algo que vai ocupar memória no seu celular”, afirma, acrescentando que o site permitiria também atualizações mais ágeis.
O Help tem design ‘clean’, sem imagens ou vídeos. “Quanto menos peso, mas fácil a acessibilidade”, explica ela.
Aproveitando sua experiência de mais de dez anos em instituições para imigrantes no Brasil, o peruano Wilbert Rivas, 41, criou em 2017 o aplicativo Além das Fronteiras, que ajudava em trâmites burocráticos.
O alto custo de manutenção, porém, impediu-o de mantê-lo funcionando. Hoje, ele consegue atualizar um site de mesmo nome.
“É uma forma de compartilhar os conhecimentos que adquiri”, afirma. “Quando eu comecei, não tinha nada disso. Que bom que hoje existem outras plataformas para dar suporte ao imigrante.”