Vagas em direito disparam após MEC facilitar a abertura de novos cursos

Um dos países com mais advogados no mundo, o Brasil vive uma expansão acelerada de cursos de direito após o Ministério da Educação facilitar a abertura de graduações na área.

A ampliação tem gerado crítica em relação à qualidade da formação e à empregabilidade dos alunos. De 2018 ao 10 de abril deste ano, em pouco mais de um ano e três meses, 52 mil novas vagas em direito foram criadas, aumentando o total em 20%, para 313 mil.

Como esse número é o autorizado para cada ano de graduação, a quantidade de alunos que será formada ao longo dos próximos cinco anos irá se multiplicar.

O tamanho da expansão fica ainda mais evidente em uma perspectiva histórica. Dezesseis em cada cem vagas autorizadas desde 1828, quando foram fundadas as primeiras faculdades de direito no país, foram criadas nos últimos 15 meses e dez dias, de acordo com os registros do MEC.

O governo Michel Temer (MDB), que instituiu regras mais flexíveis, criou 44,7 mil vagas em 2018, ou 3.728 por mês. A gestão Jair Bolsonaro (PSL), que manteve as normas, criou 7.682 em cem dias, ou 2.305 ao mês —ambos mais que seus antecessores, ao menos desde FHC (1995-2002).

Esse salto ocorreu por uma mudança nas regras de abertura e revalidação de curso. Em 2013, na gestão Dilma Rousseff (PT), o MEC fechou seu sistema para a abertura de graduações de direito, enquanto uma nova regulação era formulada.

No ano seguinte, a pasta editou regras mais rígidas para a autorização, como exigência de um conceito de curso de ao menos 4 (em escala de 1 a 5), e parecer favorável da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), salvo em casos excepcionais de cursos com conceito 5.

 

O governo Temer, por sua vez, reabriu o o calendário de autorização e reviu essa norma em 2017, tornando o parecer opinativo.

Com isso, a demanda de abertura de vagas pelas universidades, que havia sido represada, avançou e se traduziu no auemnto salto visto desde 2018, diz Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (entidade das mantenedoras de ensino superior).

Tradicionalmente contrária à proliferação de cursos, a OAB reagiu e enviou ofício ao MEC no início do ano pedindo a suspensão da abertura de vagas. A entidade argumenta não estão sendo atendidos padrões de qualidade.

Um indício, diz Luiz Viana Queiroz, presidente em exercício da OAB, é que a ordem só deu seu aval em dois de 652 pareceres nos últimos três anos para autorização ou renovação de graduações.

E, dos mais de 1.500 cursos existentes, só 161 receberam o selo OAB Recomenda, espécie de certificação da entidade.

Ele questiona o futuro profissional dos futuros formados, já que índice de aprovação no exame da ordem, que permite o exercício da advocacia, não passou de 16% na edição mais recente. “É um estelionato que se faz com os alunos e suas famílias”, afirma.

Capelato, por sua vez, diz que bloquear novos cursos impedirá instituições de excelência de participar do mercado, gerando uma reserva para aqueles que já detêm autorizações. Em sua opinião, o filtro de qualidade deve vir das avaliações do MEC.

Para ele, a alta procura pelos cursos de direito, que têm o maior número de alunos do ensino superior brasileiro, decorre da imagem de que a formação na área traz segurança, inclusive pela facilidade de acesso a concursos públicos. Nem sempre isso é verdade, porém. “Um curso tecnológico de estética e cosmético deve empregar mais do que um de direito, mas existe uma cultura bacharelesca no país”, diz.

O Brasil, de fato, tem uma proporção de advogado por habitantes maior do que a dos Estados Unidos e de qualquer país europeu, com exceção do pequeno Liechtenstein.

De acordo com a OAB são, ao todo, 1,2 milhão de advogados registrados no país, ou um para cada 174 habitantes. Dos países com dados disponíveis, só Israel tem mais: um para 109, segundo dados de 2015, os mais recentes disponíveis.

Diante dos indicadores e de softwares que automatizam tarefas antes eram feitas por advogados, faculdades têm a repensado a grade horária.

A FGV Rio, por exemplo, decidiu neste ano tornar obrigatórias em direito disciplinas de programação e ciência de dados. Segundo o professor Ivar Hartmann, elas capacitam o aluno tanto para usar a tecnologia em processos como para abrir novos negócios. “O mercado privado está saturado, e atrativos dos concursos públicos, como salário e perspectiva de aposentadoria, tendem a diminuir”, diz.

Diretor da Faculdade de Direito do Mackenzie, Felipe Chiarello diz ver espaço no mercado, mas afirma que as universidades devem ampliar o foco para outras áreas, como mediação, e para um ensino que capacite também para o trabalho em outros países.

Em nota, o MEC afirma que as autorizações de cursos só são concedidas após o atendimento de uma série de condições, verificadas in loco, e que os pareceres da OAB são opinativos e analisados em conjunto com outros fatores para “uma decisão final justa”.

A pasta afirma ainda que a expansão de vagas na educação superior é importante para o país, sendo uma meta do Plano Nacional de Educação, e que a qualidade dos cursos continua a ser fiscalizada depois da autorização.

Estudioso do tema, o historiador Marco Aurélio Vannuchi, da FGV, afirma que a preocupação com a inflação do mercado jurídico no Brasil é antiga. “Há relatos de bacharéis subempregados desde o Império”, diz. 

Com a modernização da economia do país, outras carreiras ganharam espaço antes ocupado por advogados, e esse processo se acentuou.

Para Vannuchi, medidas como o exame da ordem tiveram efeito, mas não conseguiram conter a proletarização da carreira. “A diferença de prestígio social entre o topo e a base da advocacia tem se acentuado”, diz.

Colaborou Artur Rodrigues

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