Universidade tem de oferecer solução local, diz pesquisador espanhol

A dificuldade de universidades conectarem suas linhas de pesquisa com os problemas locais, de seu entorno, é um dos entraves para que a produção científica se reverta em inovação. E, por consequência, impulsione a economia.

A conclusão é do pesquisador espanhol Andrés Rodríguez-Pose, 51. Ele analisou o impacto da pesquisa de universidades da Europa, Estados Unidos e Canadá, e notou diferenças regionais. Países como Estados Unidos e Canadá têm garantido que áreas menos desenvolvidas se beneficiem com maiores impactos de inovação do que a Europa.

A explicação central é que as universidades de regiões periféricas da América do Norte se conectam mais com os desafios locais. O que não acontece na Europa, nem tampouco no Brasil, diz Pose, que já esteve no país para pesquisas.

“Se a universidade não está em condições de solucionar esses problemas, que objetivo tem a universidade?”, disse à Folha.

Nascido em Madri, Rodríguez-Pose vive há 23 anos na Inglaterra e é pesquisador da prestigiada London School of Economics. Professor da área de economia geográfica, participou, em maio, de um dos debates do IV Encontro de Reitores Universia, promovido pelo banco Santander em Salamanca, na Espanha. 

 

O senhor tem analisado países onde há maiores dificuldades para converter o trabalho das universidades em inovação, sobretudo nas regiões periféricas. Essa responsabilidade recai mais sobre as universidades ou se dá pelo contexto regional? 

A responsabilidade é dos dois. Mas o principal é que, em muitos casos, promove-se uma ideia de que todas as universidades deveriam ser de excelência. Elas têm que ser excelentes, mas não podem competir todas no mesmo nível. Fomenta-se a pesquisa muito mais do que a inovação. E a inovação está muito ligada ao território.

Há uma série de incentivos para produção de pesquisa pura, que é publicar em revistas de prestígio, sem dar conta para que serve e a quem beneficia.

Avalia-se que o sistema universitário brasileiro tem pouca conexão com o setor produtivo. Como fomentar o diálogo com a sociedade? 

Certamente o Brasil tem as melhores universidade da América Latina e as tem em temas que as ajudam nos rankings. E não é ruim. Mas a universidade brasileira tem sido sempre muito elitista e separada do resto da sociedade. 

Um sistema em que pouca gente entra na universidade e quem ingressa pertence aos grupos de elite. Agora está democratizando, como em todos os lugares. 

Além disso, dentro de um mercado como o latino-americano, há pouca capacidade para competir com as principais universidades mundiais. Só que elas tampouco estão fomentando o desenvolvimento local. 

Em um país desse tamanho, há possibilidade de ser as duas coisas. Apostar em universidades verdadeiramente de excelência. E ai não pode apostar em 200 ou 300 universidades, tem que apostar em cinco, dez no máximo. 

E as outras universidades têm que formar estudantes de qualidade e pesquisadores que possam contribuir com o desenvolvimento regional. E que eles depois tenham oportunidades no mercado local.

Cada universidade precisa seguir um modelo de vocação específica? 

Não precisa ser só uma. Pode combinar. Uma parte da universidade generalista, e outra mais especializada no potencial do território. A universidade que está em Belém do Pará não tem razão de ser como a do Mato Grosso do Sul. Porque as condições são completamente distintas.

No Brasil, dirigentes de universidades argumentam que a distância entre empresas e universidades se dá também por dificuldades de legislação. É um problema das universidades ou dos governos? 

É um problema geralmente em nível governamental, mas as universidades tem que trazer isso à tona. E muitas vezes elas não estão interessadas. Fala-se muito que na Europa o sistema é melhor do que na América Latina. Mas o sistema na Europa também é muito ruim. Há pouca facilidade para que não só as empresas e as universidade se relacionem, mas a sociedade civil colabore de verdade. 

Nos Estados Unidos e Canadá e outros países desenvolvidos, os incentivos são muito maiores. Há incentivos para as pessoas doarem para as universidades, para empresas fomentarem certos tipos de pesquisa, e com a independência em que a universidade decide o que quer ou não fazer. 

Para isso existem os marcos legais. E as universidades lá são muito mais dinâmicas, enquanto muitas de países europeus e latino-americanos estão estancadas em um modelo do século 19 ou 15.

Quais as principais diferenças?

Tem que haver uma universidade que esteja na fronteira do conhecimento, mas nem todas podem estar em todos os campos. Uma universidade que contribua com a democratização da formação de qualidade para todos, para que não se perca talentos. 

Temos ainda uma universidade distante da sociedade, só para homens, só para a elite. E o Brasil ainda fez muito pouco [nesse sentido]. 

Parece haver muitas vezes uma ruptura entre a ideia de a universidade colaborar com a produtividade, de ter impacto econômico, e uma missão de responsabilidade social. São coisas distantes?

São questões ligadas. Na Europa há universidades em regiões periféricas, como sul da Itália, onde se forma em alto nível mais gente do que na Espanha. Mas depois essas pessoas saem formadas em campos em que não há demanda local. E assim, não podem influir sobre o tecido produtivo nem encontrar trabalho. Cria-se um problema não só para a educação, mas para a sociedade.

Problemas sociais criam problemas econômicos, e problemas econômicos criam problemas sociais. Se a universidade não está em condições de solucionar esses problemas, que objetivo tem a universidade?

O repórter viajou a convite do Santander

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