Torcida faz tenistas latino-americanos se sentirem em casa em Miami

O Masters de Miami deste ano acontece cerca de 30 quilômetros ao norte de seu lar anterior em Key Biscayne, mas o epicentro cultural do torneio não mudou, e continua a estar milhares de quilômetros ao sul de sua sede.

Talvez por não existir torneio de calibre semelhante no México, no Caribe e na América Central e do Sul, o Aberto de Miami se transformou no "slam" latino-americano, atraindo torcedores da região e das comunidades de seus países radicadas nos Estados Unidos, o que faz desse evento bem estabelecido no calendário da Flórida uma espécie de volta para casa, para os tenistas latino-americanos.

"É realmente agradável ter essa torcida", disse o argentino Leonardo Mayer. "É quase como jogar em Buenos Aires".

O melhor jogador da América do Sul, o argentino Juan Martín del Potro, está fora do torneio deste ano em razão de uma lesão no joelho, mas os torcedores só precisaram mudar uma letra no grito de guerra com que costumam recebê-lo para torcer por seu compatriota Federico Delbonis, que venceu um set contra o número um do ranking masculino, Novak Djokovic, no domingo. "Em lugar de gritarem "olé, olé, olé, olé! Delpo, Delpo!", os torcedores gritavam "Delbo! Delbo!"

Mesmo fora das quadras, a grande população latina da região de Miami afeta a experiência de jogar no torneio. Delbonis disse que pode comprar folhas de erva mate em Miami, para fazer sua bebida favorita, o que representa uma grande vantagem; ele em geral precisa carregar o produto com ele em suas viagens.

"Sempre que venho aqui, a sensação é a de que quero mesmo estar aqui, que quero viver aqui", ele disse.

"Quando entrei na quadra hoje, ouvi muitos argentinos falando espanhol, torcendo em espanhol, e o jogador sente a energia que eles transmitem. Isso dá confiança ao tenista, você a sente por dentro. Faz bem para o seu jogo estar feliz em quadra".

Monica Puig, que em 2016 conquistou a primeira medalha de ouro olímpica da história de Porto Rico, contou com apoio ruidoso de muitos torcedores porto-riquenhos em sua partida de primeira rodada contra Wang Xiyu, da qual saiu derrotada na quarta-feira passada. Ela disse que lamentava não poder jogar mais partidas diante dessa torcida, que incluía seu pai, no restante da temporada.

"Ter aquele clima latino-americano aqui, aquele pique que você sente em todo lugar, é realmente especial", disse Puig, a única mulher latino-americana entre as 100 primeiras colocadas no ranking de simples da associação de tênis feminino WTA.

Mesmo torcedores de países latino-americanos que não estavam representados no torneio fizeram sentir sua presença. Depois que Fabio Fognini, da Itália, derrotou o argentino Guido Andreozzi, na sexta-feira, uma mulher desfraldou uma grande bandeira paraguaia.

Legiões de jornalistas latino-americanos viajam à cidade para o Aberto de Miami; este ano, 24 representantes da mídia argentina lideram o contingente, de acordo com os organizadores do torneio.

Ainda que os torcedores latino-americanos tenham adotado o torneio de modo orgânico, inicialmente, os organizadores mais tarde começaram a dirigir esforços de marketing diretamente a eles, o que inclui publicidade digital tanto em português quanto em espanhol, na América Latina e em sites em espanhol na Flórida.


Os jogadores dos Estados Unidos precisam se ajustar a esse torneio, um raro exemplo de disputa jogada em casa na qual a torcida pode não lhes ser favorável. Pablo Cuevas, do Uruguai, recorda ter ficado chocado em 2011 quando a torcida local gritou seu nome depois que ele derrotou o astro americano Andy Roddick, que estava defendendo seu título no torneio, na quadra central de Key Biscayne.

Em uma das últimas partidas jogadas na sede antiga, em 2018, o americano John Isner, que terminou ficando com o título, teve pouco apoio da torcida ao derrotar Del Potro na semifinal.

"A torcida foi ótima, mas a divisão não era 50/50", disse Isner, sorrindo. "Havia muitas bandeiras argentinas. Aquele país ama o esporte, ama o futebol e o tênis. Ver todas aquelas bandeiras na torcida cria uma atmosfera muito, muito bacana".

Muitos outros jogadores não latino-americanos curtem bastante os torcedores apaixonados.

"Sempre jogo melhor nos países e lugares em que sinto essa energia", disse Alexander Zverev, da Alemanha. "Em Roma, sempre me sinto muito bem. O italiano um povo muito enérgico, poderoso. Madri, México, Miami: esse é o tipo de lugar em que sempre jogo bem. Para mim, uma torcida barulhenta e enérgica é uma curtição, gosto quando isso acontece".

Dominic Thiem, da Áustria, conquistou quatro dos 12 títulos de sua carreira na América Latina — dois na Argentina, um no México e um no Brasil.

"A energia nesses países e desses torcedores é muito boa", disse Thiem. "Eles parecem estar sempre em um bom clima. A sensação é de que estão felizes por estarem vivos. Na Europa isso às vezes é diferente — talvez seja o clima. Não sei".

James Blake, tenista aposentado americano que hoje é diretor do Aberto de Miami, disse que curtiu muito os dois jogos que fez contra o brasileiro Thomaz Bellucci no Aberto de Miami, nos quais a torcida americana não conseguiu acompanhar a animação dos brasileiros.

"Foram muito divertidos, porque você fica muito ligado", disse Blake. "Cada ponto, cada jogada, é exacerbado pelo fato de que a torcida enlouquece, e você fica zangado com você mesmo porque a torcida do adversário estão tão animada".

Os jogadores nem sempre se sentem confortáveis com o barulho.

"Alguns tenistas não gostam disso", disse Blake, "e já ouvi muitas reclamações deles a respeito".

Depois de ser derrotada por Puig no ano passado, Caroline Wozniacki, da Dinamarca, ameaçou boicotar o torneio, dizendo que seus torcedores se sentiram ameaçados pelo restante do público, esmagadoramente favorável a Puig.


Wozniacki voltou este ano e disse que não discutiu o incidente com os organizadores do torneio, desde então. Na semana passada, ela se concentrou no aspecto positivo da torcida - ouvir os gritos de guerra em favor de Delbonis, quando ela estava jogando em uma quadra próxima, e conseguir ignorar o barulho.

'Eu podia ouvir que a atmosfera era quase a de um jogo de futebol", disse Wozniacki. "É bacana. É mais divertido se eles estiverem torcendo por você, claro. Mas ao mesmo tempo, é divertido calar os torcedores. É divertido quando de repente aparece aquele silêncio".

Jérémy Chardy curtiu silenciar a cacofonia da torcida chilena que apoiava ruidosamente o seu adversário, Nicolàs Jarry, em sua partida na primeira rodada do Aberto de Miami. Depois de vencer, ele jogou beijos para a torcida chilena.

"Você sabe que sempre será difícil jogar contra um latino-americano, aqui", disse Chardy. "A torcida foi difícil durante todo o jogo, e eu não disse uma palavra. Só no final, ao vencer, eu quis lhes mandar beijos, e eles responderam com alguns gestos rudes".

Chardy disse que apreciava a torcida animada, apesar da hostilidade.

"Mesmo que eles nem sempre tenham sido respeitosos", disse o tenista, "prefiro uma atmosfera como aquela a um torneio sem atmosfera alguma".
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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