Teoria do vácuo

A espécie de corredor polonês em que se meteu, por seus próprios atos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas últimas semanas redespertou um truísmo da sabedoria política: não existe vácuo no poder.

Quem não o exerce com a mínima eficácia logo atrai outros atores sequiosos por praticá-lo em seu lugar. Nesse sentido, a percepção de enfraquecimento episódico do presidente ensejou demonstrações de força do Congresso.

Elas ocorreram seja na votação surpreendente da proposta que engessa mais o Orçamento, seja em conversas menos explícitas sobre manejo autônomo da pauta de votações pelos parlamentares ou sobre reformas profundas para subtrair prerrogativas do Executivo.

O líder que vacila também estimula a concorrência direta. Figuras que cogitam disputar a Presidência da República em 2022 buscam contrastar-se com o incumbente. 

Partidos de esquerda esboçam uma união, embora nada tenham dito de novo ou alvissareiro em suas manifestações. Quem esteve mais próximo da corrente que atropelou lideranças tradicionais em 2018 também percebe a oportunidade de dar seus vagidos emancipatórios em relação a Bolsonaro.

Este parece ser o caso do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que correu a declarar apoio entusiasmado ao postulante do PSL tão logo se definiu o segundo turno presidencial. Agora, em entrevista à Folha, dá a impressão de que começa a tomar certa distância do bolsonarismo governista.

Doria criticou a decisão de determinar a comemoração do golpe de 1964, bem como as tentativas de reescrever a história baseadas no infantilismo ideológico de um núcleo que influencia o Planalto. Também mitigou mensagens belicosas sobre emprego da força policial que difundiu na campanha.

Afirmou que nunca esteve colado a Bolsonaro e que, portanto, não estaria agora se descolando dele. A frase é boa, embora inexata.

Já na montagem de seu secretariado, com quadros de boa qualidade técnica e experiência na gestão pública, João Doria se diferenciava do método heterogêneo utilizado pelo presidente da República para definir os seus ministros.

O afastamento, entretanto, se mostra apenas relativo porque o governador paulista mantém-se alinhado à administração federal em temas centrais, como a reforma da Previdência e a agenda de liberalização econômica.

Afigura-se firme sua conexão com o ministro da Justiça, Sergio Moro, evidenciada na transferência de chefes de facções criminosas para presídios federais.

No conteúdo, Doria ensaia uma correção de rota para melhor. Fica a dúvida —que sempre vai acompanhá-lo após o abandono precoce da prefeitura paulistana— sobre se o faz por mero oportunismo.

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