Por que estudantes brasileiros não fazem greve pelo clima?

Faltam pouco mais de duas semanas para um evento que poderá começar a salvar o futuro da Terra (ou não): uma greve mundial de estudantes contra a mudança do clima.

O que os jovens brasileiros têm para dizer a respeito? Silêncio ensurdecedor.

A greve foi convocada para 15 de março por Greta Thunberg, 16. Meses atrás ela começou a faltar às aulas de sexta-feira para protestar diante do Parlamento sueco, pedindo mais ação do governo contra o aquecimento global.

Estudantes passaram a seguir seu exemplo em vários países. Virou celebridade. Discursou na última conferência da ONU clima, em dezembro, e passou um pito nos negociadores dizendo que se comportavam como crianças irresponsáveis.

Diante da elite empresarial global em vilegiatura nas neves de Davos, mandou esta: “Algumas pessoas, algumas companhias, alguns tomadores de decisão em particular, sabem exatamente quais valores inapreciáveis têm sacrificado para continuar a ganhar quantidades inimagináveis de dinheiro. Penso que muitos de vocês aqui, hoje, pertencem a esse grupo de pessoas”.

Sobre a greve de março, escreveu, conforme leio no jornal britânico Guardian: “Acho que um número suficiente de pessoas se deu conta de como a situação é absurda. Estamos no meio da maior crise na história humana e, basicamente, nada se está fazendo para evitá-la. Acho que estamos vendo o começo de grandes mudanças, e isso dá muita esperança”.

A atitude de Greta e da multidão de jovens tem muito a ver com o diagnóstico formulado num livro póstumo pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015), teórico da modernização reflexiva (ao lado de Anthony Giddens e Scott Lash) e autor do clássico “Sociedade de Risco” (Editora 34).

Em “A Metamorfose do Mundo – Novos Conceitos para uma Nova Realidade” (editora Zahar), Beck segue o veio aberto em sua obra principal que aponta, na interpretação crítica do estágio globalizado do capitalismo, a necessidade de atentar não só para a produção e distribuição de bens (como fizeram Marx, Weber e Bourdieu), mas também para a produção e distribuição de males, vale dizer, dos riscos.

À medida que se moderniza e globaliza, a economia produz poluição do ar e do mar que ultrapassa fronteiras e impõe à população mundial uma mudança perigosa do clima. Todos sofreremos seus efeitos, ou melhor, os filhos e netos de todos sofrerão, pouco importa quão poluidor é o país em que tenham nascido.

Beck vê isso como uma ameaça inédita, mas também como uma oportunidade ímpar.

Governos nacionais estão presos a uma racionalidade que só sabe prescrever desenvolvimento e tecnologia para aumentar a produção e a distribuição de... bens. Não conseguem se pôr de acordo, entretanto, quanto à coordenação de esforços para tornar menos injusto o impacto do mal maior, uma crise do clima que está multiplicando ondas de calor, secas, enchentes e tormentas mortíferas.

Por que injusto? Porque a bomba que estamos armando vai explodir nas mãos dos mais pobres –na África, em Bangladesh, nas encostas dos morros brasileiros, nos países insulares do Pacífico– e de quem hoje é jovem demais para mandar, votar e decidir, ou de quem ainda nem nasceu.

E por que oportunidade? Porque, pela primeira vez na história, essa mundialização dos males poderá levar a uma mudança da política, capaz de fazê-la mais cosmopolita, como sugere a mobilização dos jovens, muitos hoje vegetarianos e engajados, que um dia serão políticos, diplomatas e empresários.

“Não há saída. O futuro é uma maldição e uma bênção de coexistência comunicativa de todo mundo com todo mundo”, escreve Beck em “A Metamorfose do Mundo”.

Mesmo que não o tenham lido, estudantes do mundo todo sentem a trepidação da novidade que Beck enxergou e teorizou. Até em Uganda. Mas no Brasil a moçada anda meio quieta. Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor.

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