Museu no Chile lembra que regime militar é destino estúpido para uma nação
Existe, sim, um lugar onde a ditadura se encaixa perfeitamente, onde ela pode se instalar, se espalhar e até nos ensinar alguma coisa. É no museu. Percebi isso quando estive recentemente em Santiago, a capital do Chile, e resolvi —só para variar— explorar essa cidade.
Uso a expressão “para variar” não como uma muleta. Esta não é a primeira vez que vou a esse país fascinante. Mas muitos que já o visitaram também vão concordar comigo que geralmente Santiago não chama muito a atenção a não ser como uma escala para um outro destilo chileno.
Tem gente que vai ver as montanhas brancas do Valle Nevado. Ou o estupendo deserto do Atacama. Já fui fazer uma reportagem na incrível região dos vulcões e tenho Pucón na memória como um dos cartões-postais mais bonitos que colecionei na vida.
Também estive na Ilha de Páscoa. E onde fiz conexão para o canto mais isolado da Terra? Santiago. E quando eu finalmente for às geleiras da ponta do nosso continente, adivinhe onde eu vou parar?
Para corrigir essa injustiça, quis desta vez me concentrar na capital. Foi uma viagem breve, de menos de uma semana. E consegui até colocar um pouco de neve no itinerário. Mas meu foco foi mesmo Santiago.
Comecei bem já na escolha de onde ficar: um hotel de frente para o belíssimo parque Florestal, onde no domingo você pode ver milhares de chilenos caçando pokémons, uma doce ironia para uma cidade emoldurada por uma das paisagem naturais mais estonteantes do planeta, a cordilheira dos Andes.
Para quem não está grudado no seu smartphone, no entanto, a região de Bellas Artes oferece mais cultura do que a gente consegue absorver num fim de semana: livrarias riquíssimas; galerias de arte alternativa; feiras livres; um centro cultural que é uma obra-prima da arquitetura urbana, o Gabriela Mistral; o próprio museu de Bellas Artes; restaurantes e bares de degustação infinita de vinhos (saudades do Bocanáriz!); e uma estação de metrô eficiente que te leva para qualquer canto da cidade.
Foi nela que embarquei numa manhã para o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, a apenas quatro paradas de onde eu estava.
E o que encontrei foi mais do que uma lição de história.
Visitando suas bem desenhadas e bem montadas galerias, renovei minha certeza de que um governo tomado à força por um golpe militar é um dos destinos mais estúpidos que uma nação pode encontrar.
Documentado em enormes painéis, telões interativos, vídeos de reportagens —e depoimentos de personagens que são reais demais para você achar que “aquilo só acontece nos livros de história”—, o golpe de 1973, que fez do Chile sob o comando do general Augusto Pinochet uma das maiores vergonhas recentes na luta pelos direitos humanos, está ali muito vivo. E fresco o suficiente para nos lembrar que um governo de truculência é a desgraça de um povo.
Ao mesmo tempo em que os rostos (e as vozes) de pessoas desaparecidas durante o regime militar chileno emocionam, o museu é tão bem montado que não deixa esquecer como é fácil que uma atrocidade dessas se instale.
Você pode visitar tudo apenas como uma curiosidade, mas quem vive numa realidade politicamente desesperada como a que hoje assola o mundo não consegue evitar as conexões com a atualidade e chegar à inevitável conclusão de que ninguém com um mínimo de educação e informação pode querer isso para seu destino. Nem para sua família, nem para seu país.
E este lugar está ali justamente para educar e informar.
Limitar a ditadura e o regime militar à bruteza da estrutura de concreto do Museu da Memória, em Santiago, parece então não apenas adequado mas traz até certa esperança.
A de que nós nunca repitamos, ainda mais com a ajuda de algo tão precioso como nosso voto, os horrores de um passado que só pode nos trazer um futuro destituído de tudo que seguimos lutando até hoje para consolidar: o respeito ao ser humano.