Mostrar o dedo do meio é liberdade de expressão protegida por lei, decide tribunal dos EUA

Um tribunal americano decidiu que mostrar o dedo médio em riste a alguém é uma forma de livre expressão e autorizou uma ação judicial movida por uma motorista que fez o gesto vulgar para um policial.

A decisão foi tomada na semana passada pelo Tribunal de Recursos do 6º Circuito, mas começou em junho de 2017 com uma discussão acalorada em que uma mulher fez o gesto de dedo médio elevado em direção a um policial que acabara de lhe aplicar uma multa.

Debra L. Cruise-Guylas estava dirigindo em Taylor, Michigan, acima da velocidade permitida. Segundo parecer escrito pelo juiz Jeffrey S. Sutton para um painel de três juízes, o policial de trânsito Matthew W. Minard inicialmente a multou por uma infração de trânsito fora de movimento, menos grave do que uma infração normal de excesso de velocidade.

Cruise-Guylas estava se afastando depois de ser multada quando, “aparentemente sem sentir gratidão pela multa reduzida, ela fez o gesto tão familiar a Minard, mostrando-lhe sua mão com quatro dedos escondidos”, diz o texto do parecer. “Minard não gostou.”

Então o policial a mandou parar novamente e alterou a multa de modo que refletisse a infração mais grave do excesso de velocidade.

A motorista foi parada duas vezes distintas, o que é um ponto fundamental na ação. Os juízes consideraram a primeira parada justificada, porque Cruise-Guylas havia cometido uma infração. Mas eles concluíram que “qualquer direito que o policial tinha de interpelar a motorista devido à infração terminou quando ela foi autorizada a repartir”. Ou seja, a segunda vez em que ela foi parada, aparentemente em reação a nada mais do que um gesto vulgar, não teve justificativa.

Na ação que está movendo, Cruise-Guylas alegou que Minard violou a Primeira Emenda constitucional, que protegeria o direito dela à liberdade de expressão; a Quarta Emenda, porque ela foi parada sem justificativa, e a 14ª Emenda, por restringir sua liberdade.

Em resposta, o policial evocou a “imunidade qualificada”, doutrina legal que pode proteger autoridades contra ações judiciais, desde que elas possam demonstrar que os direitos que infringiram não estavam claramente definidos. Essencialmente, a doutrina significa que eles teriam agido de boa fé.

Mas um tribunal distrital negou sua moção, e o tribunal de recursos confirmou a decisão na semana passada. Portanto, fica declarado: exibir o dedo médio em riste a um policial é um direito das pessoas, conforme o previsto na Primeira Emenda.

Ou melhor, fica declarado novamente, porque houve pelo menos dois casos anteriores em que tribunais federais tomaram decisões semelhantes.

Em 2013 o Tribunal de Recursos do 6º Circuito negou a imunidade qualificada a um policial que prendera uma adolescente depois que ela ergueu dois dedos médios diante dele. A mãe da adolescente tinha sido morta por policiais alguns anos antes. Também em 2013, o Tribunal de Recursos do 2º Circuito decidiu que um policial não deveria ter recebido imunidade qualificada quando prendeu um homem que lhe fizera o gesto com o dedo médio quando passava por ele de carro. O policial seguira o carro, e um enfrentamento verbal terminara com a detenção do homem.

Essas decisões dos tribunais não significam necessariamente que as pessoas possam destratar policiais com impunidade nem que elas se sintam em segurança ao fazê-lo, mesmo porque policiais no passado já usaram de força letal contra pessoas desarmadas e evitaram ser levados à Justiça por isso.

A professora de direito Joanna C. Schwartz, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, é especializada em litígios envolvendo erros de conduta de policiais. Ela destaca que Cruise-Guylas e algumas outras pessoas só tiveram seus direitos reconhecidos depois de se darem ao trabalho de levar suas queixas a um tribunal.

“O direito existe, mas a implementação desse direito é uma questão mais complicada”, ela disse, observando que muitas pessoas afetadas por erros de conduta de policiais não denunciam o que ocorreu.

“Há uma distância entre o que a Constituição permite e prevê e como a polícia atua nas ruas. E chegar das ruas aos tribunais é um processo demorado e custoso.”

Mas, para ela, a visibilidade alcançada por esses casos individuais pode ser uma coisa positiva.

“Existem pesquisas indicando que, quando os tribunais definem claramente o que a Constituição permite ou proíbe, é mais provável que a polícia incorpore essas regras em suas políticas e seus treinamentos”, ela disse.

No parecer redigido na semana passada, Sutton diferenciou vulgaridade de crime. “Atos de grosseria ou falta de gratidão podem infringir a ética da reciprocidade”, ele escreveu. “Mas isso não os torna ilegais nem tampouco passíveis de punição.”

Um advogado de Cruise-Guylas não respondeu imediatamente a um pedido de comentários sobre o parecer do juiz. Um advogado de Minard se negou a comentar antes do início do litígio.

Tradução de Clara Allain.

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