'Moda tem muito a ganhar no presente e pouco no futuro', diz consultor italiano

Como prever o futuro de uma indústria que, enquanto consegue produzir sucessos retumbantes e formar filas quilométricas de clientes em busca das novidades da última hora, atravessa uma das maiores recessões de sua história? 

As grifes de moda sabem que a resposta está no comportamento de consumo jovem, mas, segundo o consultor italiano Stefan Siegel, a maioria delas prefere surfar em ondas passageiras do que reestruturar seus negócios pensando no longo prazo.

Cabeça da Not Just A Label, uma das mais conceituadas plataformas de novos talentos da costura, Siegel fundou o conceito de “radicalismo autêntico”, um manifesto no qual propõe alternativas sustentáveis, processos de colaboração e uma nova estrutura organizacional para marcas e cidades apoiarem novos criadores.

A ideia que começou como startup em 2008, hoje acumula projetos de lojas temporárias, grandes eventos e parcerias com governos para estimular a entrada de mais de 30 mil designers em 150 países no mercado de moda.

Convidado do festival Wired, que ocorreu no início deste mês em São Paulo, ele trouxe a experiência no desenvolvimento de projetos para marcas internacionais e a palestra que faz o mercado de moda roer as unhas com as provas de que seus modelos de sedução estão errados. Leia entrevista.

 

Por que são necessárias mudanças radicais na moda?

O luxo hoje é uma indústria que busca respostas. Não as encontraremos no curto prazo, mas sim pensando nas gerações futuras, redescobrindo nosso sistema de valores. Para isso, precisamos de mudanças radicais. Não podemos mais permanecer complacentes ou desacostumados com as questões sérias que enfrentam a indústria, o planeta e o futuro de nossos filhos.

Que tipo de abordagem você explora para convencer os executivos de moda sobre os novos desafios do sistema de moda?

Eles têm de entender que as economias lineares perderam o prumo e muito em breve não haverá recursos suficientes. São mercados que foram criados para crescer e crescer, mas não foram regulamentados desde a revolução industrial e, por isso, seus executivos de moda trabalham dentro de estruturas que agora são antiquadas e egoístas. Estou convencido de que este século acabará com os modelos de negócios insustentáveis do século 20 e desenvolverá novos que sejam adequados ao propósito. A questão é se os empresários de moda estão prontos para substituir os lucros a curto prazo por ganhos e prosperidade de longo prazo. Infelizmente, a maioria das empresas ainda tem muito a ganhar com o presente e muito pouco com o futuro.

Quais seriam os maiores erros?

Vivemos em uma era em que tudo está dentro de um modelo de comodismo, e a mudança para o digital é uma dos principais responsáveis pela celebração do vazio e do momentâneo. Essa é a maneira como muitas marcas se comunicam com o público jovem, mas vejo que não há absolutamente nenhum orgulho ou saída sustentável em fazer crianças pequenas esperarem horas na fila por artigos de luxo. Devemos ser os adultos responsáveis, capacitando-os a fazer escolhas bem informadas.

Em sua experiência, é possível que grandes marcas de moda reconstruam suas estruturas?

Costumo comparar a moda aos petroleiros, os grandes navios que só podem mudar o curso em um ou dois graus a cada ano. O que é necessário é uma reviravolta de 180 graus, e isso é impossível considerando a estrutura de suas cadeias de suprimentos e seus canais de varejo. A mudança virá e já está chegando, com o consumidor. Comprar menos, melhores escolhas e uma apreciação pelo feito à mão, produzido localmente, vão lentamente mudando a indústria, um movimento semelhante ao que a indústria alimentícia está passando.

Como o futuro pode ser lucrativo para as empresas de moda se as projeções de consumo diminuem em todo o mundo?

O consumo de moda está diminuindo porque o que temos é a privação dos direitos do consumidor. As pessoas perderam o amor pela moda, porque, do Met Gala à semana de moda de Paris, tudo virou um grande tapete vermelho. A moda não é mais inspiradora ou aspirante porque se tornou um circo. Então, a nova demanda do luxo se caracteriza pela individualidade, uma maior oferta de produtos e conversas mais inteligentes. É nesse ponto que as marcas estabelecidas não estão conseguindo competir.

Nesse contexto, como seria o futuro?

Criatividade é a moeda do futuro, e muitas cidades estão competindo para se tornar o próximo centro criativo que atrai visionários, artistas e designers. Já trabalhamos com várias, como Los Angeles, Nova York, Detroit, Dubai e Berlim, com o objetivo de garantir que as economias criativas sejam preservadas no entorno. Em um mundo onde a inteligência artificial realizará a maioria dos trabalhos, a criatividade continuará sendo algo que não pode ser replicado pelas máquinas.

Que tipo de projetos você idealiza para cidades e quais são suas impressões sobre a criatividade no Brasil?

Agora estamos trabalhando com a cidade de Los Angeles para lançar sua primeira marca registrada de todas as coisas feitas e fabricadas na cidade: a LA Original. A cidade de Nova York lançou uma iniciativa semelhante há alguns anos chamada Made in NY. As pessoas querem saber o que vem de sua vizinhança, e como elas podem apoiar sua marca local.

Quanto ao Brasil, há cem designers abrigados na plataforma Not Just A Label. Acredito fortemente que o país passará por um movimento semelhante ao que está acontecendo na China agora, onde as pessoas estão reconhecendo que seus próprios designers, artistas e fabricantes locais são os que precisam de apoio e fabricam produtos muito melhores do que os importados, disponíveis em qualquer loja de departamento do mundo.

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