Marketing digital não é solução mágica, alerta especialista em inteligência artificial

Não está fácil para quase ninguém. O momento político e econômico do nosso país é bastante complicado. Estamos saindo da maior crise econômica de nossa história recente e a credibilidade nas instituições nunca esteve tão abalada.  

O resultado é uma arrastada recuperação, impulsionada por organizações renitentes e consumidores reticentes, que tropeça nas pedras colocadas no caminho pelo cenário político e social.

E enquanto tudo isso acontece por aqui, o mundo exterior parece viver um momento de inigualável e exponencial prosperidade animada pelas possibilidades que a tecnologia oferece.

Rodrigo Arnaut é um dos fundadores do grupo EraTransmídia, professor da FAAP, mestre em Inteligência Artificial pela Poli-USP  e sócio do Esconderijo Criativo, especializado em soluções de realidade virtual para a área de saúde (VR Health).  Liderou por 21 anos projetos de inovação e tecnologia na Rede Globo e é um crítico ferrenho dessa perspectiva.

Na visão de Arnaut “o marketing digital está sendo encarado como uma solução mágica para vender mais, e os gurus digitais mais badalados alimentam essa ideia”.

No Brasil, a mídia local e a mídia de massa têm grande penetração e relevância, oferecendo modelos operacionais e de negócio com os quais estamos familiarizados.

“Se de um lado temos soluções já 'comoditizadas' para o mundo digital, do outro temos um abismo de conhecimento. O marketing digital ainda não é eficiente por aqui porque as dificuldades de configuração das ferramentas e a qualidade das entregas demandam a ação de especialistas que são raros e caros. A eficiência depende de um profundo conhecimento das ferramentas, do consumidor e dos fundamentos de marketing", afirma o professor.

Arnaut observa que a capacidade inspiradora dos gurus digitais é muito positiva, mas via de regra carrega a ilusão de que vender mais só depende de uma boa ação de marketing digital, o que está longe de ser verdade.

“Todas as dimensões do marketing, como produto, preço, canais de distribuição, promoção, público e engajamento são relevantes para o sucesso nas vendas, seja no mundo digital ou fora dele. Esperar que o foco exclusivo no marketing digital resolva o problema é uma aposta, no mínimo, arriscada.”

A operacionalização de ações de marketing digital eficazes e eficientes também demanda o reconhecimento de suas limitações. “Convivemos com a ilusão de que vender pela Internet é mais barato, porque Google, Facebook e Instagram oferecem a possibilidade de atingirmos milhares de pessoas por poucas centenas de reais mas, na prática, esse é um jogo para quem tem grande capacidade de investimento, podendo errar e corrigir a rota, aprendendo no caminho", reforça Arnaut.

As reclamações de anunciantes frustrados pela compra programática no meio digital se acumulam, em meio a constatação de perfis falsos ou inadequados, retargeting (repetição do envio da mensagem para uma mesma pessoa) excessivo, baixos índices de visibilidade (viewability) e restrições para contratação de auditorias.

Até mesmo grandes anunciantes como P&G e Unilever vem adotando atitudes mais críticas e reduzindo suas verbas destinadas ao marketing digital.

“Acredito que seja apenas uma questão de tempo para solução dos problemas e capacitação dos profissionais. Num futuro próximo, boa parte das atividades relacionadas ao marketing digital serão integradas e automatizadas, bastando apertar um botão para disparar a campanha, que será gerenciada por inteligência artificial autônoma. Mas até que isso aconteça, assistir uma palestra ou adquirir uma ferramenta, sem o apoio de um profundo conhecedor do negócio, do marketing e das tecnologias, não será suficiente para garantir o sucesso.” 

Arnaut cita o Mercado Livre e, principalmente, a OLX como sementes desse futuro que se avizinha. Essas plataformas estão permitindo a criação de um novo tipo de consumidor que, durante a conversa, batizamos de “Sellsumers”, numa analogia com os “prosumers” —termo criado por Alvin Toffler no final do século passado. Sellsumers são os consumidores que também anunciam e vendem seus produtos, competindo no varejo com os grandes anunciantes.

Exceto por essas iniciativas pontuais, o marketing digital ainda não é inclusivo. Pequenas e médias empresas são as principais vítimas da mistificação apontado por Arnaut.  

De acordo com ele, o investimento necessário para operacionalizar uma campanha de marketing digital robusta, considerando ferramentas e especialistas, só é viável para grandes corporações, e sem esse investimento a mágica não irá acontecer, com as raríssimas exceções que alimentam a fantasia.

Arnaut recomenda o foco em ações transmídia, uma visão mais ampla, que não se limita ao mundo digital e funciona melhor para o perfil midiático do mercado brasileiro.

“Planejar estrategicamente a comunicação, distribuindo a mensagem em múltiplas mídias e respeitando sua linguagem particular, é a alternativa mais eficiente para engajamento do consumidor no contexto atual, além de permitir a monetização a partir de fontes diversificadas. É um modelo mais inclusivo, num território conhecido e com modelos de negócio onde os investimentos podem ser mais bem administrados, principalmente para pequenas e médias empresas.”

Arnaut termina o bate-papo com um desafio: “Se o marketing digital já é eficiente o suficiente, não veremos o lixo da propaganda eleitoral em papel nas ruas durante as próximas eleições. E se isso acontecer, mudo de opinião.”.

Flavio Ferrari é consultor e palestrante em comunicação, inovação e transformação digital. Foi diretor dos institutos Kantar Media, Ipsos e GfK. Esta entrevista faz parte de uma série de encontros para o livro "Atitude Digital", com o apoio da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes)

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