Herói argentino contra a França em 1978 perdeu o irmão no dia da partida
Há jogos de Copa do Mundo que marcam a vida de um jogador. Leopoldo Luque, argentino campeão em 1978, pode dizer com certeza que a vitória da Argentina por 2 a 1 contra a França, válida pela segunda rodada do Mundial jogado em seu país, foi dessas partidas que não se esquece jamais. Para o bem e para o mal.
O camisa 14 chutou a bola, parada com a mão por Marius Trésor, para ganhar o pênalti que Daniel Passarella converteu e abriu o placar a favor dos anfitriões. Depois de Michel Platini empatar a partida, Luque mandou um lindo chute de fora da área para colocar a Argentina na frente de novo e fechar a vitória.
“Girei, bati no gol e saiu o gol da classificação. Foi uma euforia terrível. Quando estreei pelo River Plate, marquei um gol contra o Boca Juniors na Bombonera e essa é a melhor coisa que pode passar com um jogador do River. Mas esse (contra a França) foi mais especial, porque foi em um Mundial”, diz Luque à Folha, 40 anos depois do jogo de sua vida.
Após marcar o gol que colocou os argentinos na fase seguinte, o atacante foi ao chão em uma dividida com o francês Christian López e luxou o ombro direito. Foi atendido fora do gramado, os médicos recolocaram o osso no lugar e Luque fez questão de voltar a campo.
A dor no ombro, contudo, seria a menor das dores que sentiria naquele 6 de junho.
Na manhã do jogo com a França, seu irmão, Oscar, bateu o carro na estrada que liga a província de Santa Fe a Buenos Aires e faleceu. Ele estava a caminho da capital justamente para assistir à partida.
Quando machucou o ombro, Luque não quis deixar o gramado pois queria ajudar os companheiros e também acreditava que, entre as 71 mil pessoas nas arquibancadas, estavam seus familiares.
O pai do camisa 14 e a mulher de Oscar, sua cunhada, decidiram não avisá-lo do acidente antes do jogo.
“Me avisaram só no outro dia. Sabiam que se me avisassem antes, eu teria deixado a concentração”, afirma.
No dia seguinte, os pais de Luque apareceram na concentração da seleção e comunicaram o jogador da morte do irmão. Luque avisou a comissão técnica e deixou o grupo para cuidar dos trâmites relacionados ao falecimento de Oscar.
Na última partida da primeira fase de grupos, contra a Itália, foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem ao irmão de Luque e o time argentino entrou com uma faixa em que se lia “Leopoldo, te esperamos”.
A Itália venceu a Argentina por 1 a 0, mas a seleção já estava classificada. Na estreia da segunda fase de grupos, a equipe treinada por César Luis Menotti superou a Polônia, 2 a 0.
Luque assistiu ao jogo pela televisão, de sua casa. Quando terminou a partida, seu pai sugeriu que ele voltasse para a seleção, “pois Deus quis as coisas assim”. E então um tio o levou para Rosario, onde a equipe estava concentrada para enfrentar o Brasil.
“Foi um jogo horrível. Tudo o que fizemos foi dar porrada o jogo todo. Um dos defensores brasileiros me deu uma cotovelada, foi de muita má intenção. Um jogo muito ruim”, lembra Luque.
O confronto com os brasileiros, que mais pareceu uma guerra, terminou 0 a 0. A Argentina precisava vencer o Peru no jogo seguinte por pelo menos quatro gols para ir à decisão.
Quando já vencia por 3 a 0, Luque mergulhou de peixinho, quase na linha do gol, para marcar o quarto.
Houseman fez o quinto e mais uma vez Luque, com seu segundo no jogo, fechou a goleada de 6 a 0.
Na final, a Argentina bateu a Holanda por 3 a 1 e conquistou seu primeiro título mundial da história.
O drama do falecimento do irmão, a saída da concentração e o retorno à equipe para colocar sua digital na taça de campeão formaram o carrossel de emoções pelo qual passou Leopoldo Luque ao longo da Copa do Mundo de 1978.
“Não podia fazer mais nada por meu irmão. Só tinha vontade de dar um pouco de alegria à minha família”, diz o camisa 14.
Na noite do triunfo sobre os holandeses, milhões de argentinos ocuparam as ruas de Buenos Aires para comemorar a conquista.
Luque deixou o jantar de celebração da seleção e foi se encontrar com a família em um apartamento da capital. Assim que entrou e viu todos que o esperavam, chorou, campeão do mundo e de medalha no peito.