Guaidó começa a procurar a pólvora

A oposição venezuelana começa a dar passos para pôr de fato sobre a mesa a opção militar para derrubar Nicolás Maduro.

Um dos passos —aquele que, em tese, envolve diretamente o Brasil — é a proposta da Assembleia Nacional de que a Venezuela volte a fazer parte do Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), instrumento típico da guerra fria e praticamente em desuso.

 

O ponto principal do Tiar é a obrigação de todos os países membros de sair em socorro de qualquer um deles que seja agredido. O Brasil é membro, desde a criação em 1948. A Venezuela se retirou, já no período dito bolivariano, daí o pedido dos oposicionistas para a reincorporação.

A consultora Eurasia considera que essa iniciativa “pode ser um primeiro passo para requisitar formalmente assistência militar".

É claro que não é nada simples. O uso do Tiar pressuporia que um país estrangeiro estaria atacando a Venezuela, o que não é o caso. A Venezuela está sendo, sim, atacada pelos seus próprios militares, sócios na destruição sem limites do país e em uma repressão hedionda.

De todo modo, na eventual discussão a respeito da aplicação do Tiar, o governo Bolsonaro seria chamado a formalizar o repúdio a uma intervenção militar, já manifestado algumas vezes pelos militares brasileiros, mas nunca enfaticamente repudiado pelo presidente.

Um segundo passo rumo aos tambores de guerra foi dado por Carlos Vecchio, o embaixador designado por Juan Guaidó para representar o seu governo nos Estados Unidos. Escreveu, no sábado (11), carta ao almirante Craig Faller, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, em que solicita “começar conversações relativas à cooperação” que Craig teria oferecido aos venezuelanos.

A carta é um primor de circunlóquios, mas não deixa de dizer que a Venezuela de Guaidó acolhe prazerosamente “a planificação estratégica e operacional” para que a oposição possa devolver o país à democracia.

O que isso quer dizer exatamente não está explicado na carta. Mas ela fala, sim, na preocupação “com o impacto da presença de forças estrangeiras” na Venezuela, óbvia alusão aos cubanos que prestam assessoria, inclusive em matéria de inteligência e repressão, ao governo Maduro.

Parece óbvio que os movimentos de Juan Guaidó e seus aliados se devem ao fato de que fracassaram as tentativas de resolver internamente o impasse. Mas é um risco, apontado, por exemplo, por Mark Feierstein, analista do CSIS (Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, de Washington): “A aproximação de Guaidó ao Comando Sul é compreensível dados o desespero e a frustração na Venezuela com o governo Maduro. Mas corre o risco de alienar grandes segmentos da coalização internacional que o apoia", tuitou o especialista.

Fora da Venezuela, os tambores de guerra dão lugar à saliva: tanto Mike Pompeo, o secretário de Estado americano, como o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, confirmaram conversas no mais alto nível com autoridades cubanas, com vistas ao que Trudeau chamou de “solução pacífica” para a crise.

O Canadá faz parte do Grupo de Lima, ao qual está integrado o Brasil. Mas, por motivos óbvio, Brasília da atualidade não tem a mais remota possibilidade de falar com Havana.

Para usar frase de Bolsonaro, o Brasil está em uma situação em que não pode usar nem pólvora nem saliva.

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