Farmacêuticas discutem compartilhamento de risco com governo

Prazos de aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem caído drasticamente no Brasil, mas outros obstáculos ainda impedem que fabricantes de medicamentos complexos tenham uma maior presença no país, segundo Pascal Soriot, diretor-executivo global da AstraZeneca.

Reduzir custos tem sido uma das apostas das farmacêuticas para aumentar sua presença na saúde pública.

As companhias têm discutido em vários países, inclusive no Brasil, a adoção de contratos de risco compartilhado, em que precisam reembolsar o governo ou as seguradoras se não atingirem metas de tratamento, de acordo com executivo francês.

Como estão enxergando o Brasil comparado ao cenário global e a outros emergentes?

Acredito que Brasil tem um potencial enorme e muitos pacientes que poderão ser ajudados no futuro. À medida que a população envelhece —e a população é relativamente jovem ainda— infelizmente muitas vão desenvolver diabetes, por exemplo, doença que, se não for tratada, leva a problemas de rim e coração. Então haverá uma grande demanda. Câncer também é um grande problema, assim como doenças respiratórias. O potencial é enorme.

Mesmo com o atual momento pelo qual estamos passando, as expectativas seguem positivas?

Houve recessão, mas isso acontece, certo? Estamos acostumados. Para farmacêuticas, penso que seguirá havendo uma melhora. Vai depender de quais políticas o governo implementa, mas até aqui acreditamos que as mudanças na Anvisa têm sido muito boas. Restam algumas coisas que precisamos melhorar ainda.

Como o quê?

Algumas coisas que são problemáticas para pacientes nesse país, como por exemplo a tributação. Você tem cerca de 34% de carga tributária para medicamentos. Quando é o governo que paga, não importa, porque o governo cobra impostos de si mesmo. Mas quando pacientes pagam do seu bolso, e há muitos que o fazem, então drogas ficam muito caras. Isso prejudica os mais pobres. É algo que em algum ponto demandará uma reforma, porque em muitos países medicamentos não são taxados, ou então há impostos na casa de 10%.

E como é questão do preço no Brasil? Porque são regulados, é diferente de outros países em que vocês estão, isso afeta a visão que vocês têm para esse mercado?

Não acho que afete nossa visão. É algo que precisamos administrar. O maior desafio é acesso. Se você olha o setor privado, as pessoas podem ter um bom plano de saúde e adquirir bons medicamentos. Mas no setor público é mais difícil. Então a pergunta é como facilitar o acesso para pacientes.

A Anvisa tem feito um trabalho fantástico, porque o Brasil costumava ser uma China ao contrário. Chegando atrasado. Mas agora eles têm cuidado de novos registros de medicamentos muito rapidamente. Ainda está mais demorado que nos EUA, mas não muito, e já está mais rápido que Europa e China. Temos os remédios aprovados, ok, mas alguém precisa pagar por isso, seja no sistema privado ou público. E aí há um processo mais lento. Então saímos de um problema regulatório para um problema de ressarcimento.

 

O setor público é um interesse crescente para vocês?

Tem que ser, a longo prazo. Quando se pensa acesso, o setor público ainda é difícil, mas estamos olhando para isso. Há muito barulho no novo governo sobre modelos de risco compartilhado e é algo com o qual temos colaborado. Por exemplo, câncer, muitas vezes paga-se por um remédio e não se sabe se vai funcionar. Por ser um tratamento caro, se tratei um paciente e não funcionou, desperdicei dinheiro. Então pensamos em mecanismo de risco compartilhado, no qual pagamos um ressarcimento se não tiver efeito.

Isso é feito em outros mercados?

Sim, fazemos na França e na Itália. E estamos começando a introduzir em outros mercados. Tem funcionado, mas só funciona se há alguém que possa capturar os dados.

E no Brasil provavelmente é especialmente complicado.

Sim. Deveríamos ser capazes de fazer isso, e todos querem fazer isso, vão nessa direção, mas é algo que leva tempo. Mesmo nos Estados Unidos. Lá, algumas capturam dados mas não conseguem analisá-los. É algo que levará mais uns cinco anos, mas é a direção na qual estamos indo.

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