Farmacêuticas brigam para provar quem tem a melhor insulina

Brigando por um mercado consumidor de 425 milhões de pessoas em todo o mundo, empresas farmacêuticas passaram a patrocinar estudos que comparam qual insulina causa menos hipoglicemia.

O efeito colateral é uma das maiores preocupações de pacientes com diabetes e seus médicos. O tratamento com insulina ajuda o organismo a retirar o açúcar do sangue, mas, às vezes, o remédio funciona demais e reduz a concentração de glicose a uma taxa que pode ser letal.

A complicação não é rara: de 10% a 17% dos diabéticos já tiveram um episódio grave. No caso do diabetes tipo 1, também conhecido como juvenil, 59% dos pacientes conhecem a hipoglicemia de perto. Entre os sintomas estão tontura, visão turva, pensamento lento e cansaço, além de suor excessivo, palpitações, tremores e nervosismo.

Não à toa, a hipoglicemia foi destaque na edição deste ano do encontro da ADA (Associação Americanas de Diabetes, na sigla em inglês), que aconteceu entre 22 e 26 deste mês.

O paciente que usa insulina em geral depende de dois tipos: uma versão rápida, para ajudar o organismo a lidar com o açúcar proveniente da alimentação, e uma lenta, de ação prolongada, que funciona por mais de 12h.

Essa última ganhou novas versões nos últimos anos, desenvolvidas por duas empresas: a Sanofi (insulina glargina, com uma nova versão mais concentrada em 2015) e a Novo Nordisk (insulina degludeca, também de 2015). Nesses medicamentos a molécula de insulina foi aumentada e modificada de modo a retardar sua degradação no organismo, prolongando seu efeito.

Ambas teriam larga vantagem em relação à versão de longa duração da geração anterior, a insulina NPH. É essa que está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) —em uma portaria de março deste ano, o governo brasileiro alega falta de evidências de superioridade que justifique o custo maior.

O estudo Bright, patrocinado pela Sanofi, analisou dados de 929 pacientes com diabetes que nunca haviam usado insulina antes e que foram distribuídos em dois grupos: um para usar Toujeo (insulina glargina) e outro para usar Tresiba (insulina degludeca).

Os resultados mostraram que a primeira, da própria marca, tem chance 23% menor de causar eventos de hipoglicemia na fase de titulação —ou seja, nas primeiras doze semanas, quando a dose tem que ser ajustada individualmente.

A vantagem seria importante, argumenta Alice Cheng, pesquisadora da Universidade de Toronto (Canadá), que apresentou o estudo no congresso da ADA, porque é justamente no período de titulação que pacientes mais abandonam o tratamento por causa do medo de passar por novos eventos de hipoglicemia

“Mas não dá abrir mão da insulina, é o que está faltando no organismo. O que eu espero para o futuro é que elas sejam ainda mais lentas, mais duradouras, e até inteligentes, sensíveis ao nível de glicose e capazes de se ativar apenas quando necessário”, disse à reportagem Alice Cheng.

Por sua vez, o estudo Confirm, bancado pela Novo Nordisk, usou dados equivalentes a seis meses de vida de mais de 4.000 pacientes e apontou que a insulina degludeca, da própria marca, não só geraria 30% menos eventos de hipoglicemia, mas também seria capaz de reduzir mais o nível de hemoglobina glicada —quanto menor o índice, mais controlada está a doença. O desejável para um diabético é, via de regra, que essa taxa esteja em menos de 7%.

Além dos resultados, as metodologias também são diferentes. O estudo da Novo Nordisk é observacional e usou dados do mundo real, mais próximos da prática clínica e sem a possibilidade de uma supervisão rigorosa da equipe de pesquisa.

“Quando analisamos os dados de glicemia de jejum e dose final de insulina, os resultados favorecem a insulina degludeca. Esses estudos foram apenas os primeiros a analisar as diferenças entre os dois produtos e mais serão necessários para conseguirmos identificar os cenários clínicos em que eles apresentam a melhor performance e oferecem mais benefícios para os pacientes”, diz Marco Petti, diretor médico da Novo Nordisk.

Estudos de mundo real —baseados em dados provenientes de dispositivos médicos, bancos de dados governamentais, hospitalares, administrativos e outros— têm  ganhado espaço nos últimos anos e aparecido como uma possibilidade de testar, complementar e de expandir as conclusões trazidas por estudos controlados e randomizados (considerados de mais alto padrão e necessários para lançar uma droga).

A professora de endocrinologia da Santa Casa de São Paulo, Erika Parente, alerta que, apesar de os estudos observacionais serem potencialmente mais baratos, as análises de vida real são mais suscetíveis a fraudes e vieses de representatividade nos grupos, por exemplo.

Por serem de vida real, esses estudos também trazem a possibilidade de escalar mais pacientes do que as usuais centenas que participam dos caros estudos controlados.

“No mundo de verdade, ora o paciente toma o medicamento, ora não toma, e ninguém fica ligando para checar”, diz Parente. “Mas, por causa da chance de desvios, tem de haver cuidado. Esses estudos são que nem serviços de advocacia ou medicina: tem que confiar em quem faz ou nem vale a pena.”

No fim das contas a decisão sobre qual insulina usar fica nas mãos do médico: sua experiência pessoal com cada uma das moléculas geralmente é o fator determinante.

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