Brasileiros ignoram 'ares de traição' e viram torcedores da Argentina

Na tarde da última terça, os alunos de Cássia Duarte se entreolharam quando a professora, do nada, comemorou um gol pela sala.

Afinal, a seleção canarinho só entraria em campo no dia seguinte, e o país todo pararia para assistir ao jogo.

Mas a professora, no exercício regular de suas funções, se valeu de informações sopradas através da janela pelo porteiro da escola para poder vibrar com a vitória da Argentina sobre a Nigéria por 2 a 1
“Desde criança sou apaixonada pelo time argentino por causa da minha avó, que se chamava Argentina, ainda que fosse brasileira”, ri.

Durante o jogo Brasil e Sérvia, de folga em casa, Cássia tirou um cochilo. Nas Copas, ela só veste a camisa azul e branca —para espanto geral.

Rivais em campo há pelo menos 60 anos —ou desde que o Brasil conquistou seu primeiro título mundial, em 1958—, Argentina e Brasil disputam mais do que taças.

Ambas querem ser a nação mais boleira do mundo, o principal celeiro de craques do planeta e, é claro, o berço  do maior jogador da história.

Tamanha competição faz com que, para muitos, a admiração de um brasileiro pelo futebol dos hermanos tenha ares de traição ou sandice.

“Muita gente já me chamou de louco porque torço pra Argentina”, conta o autônomo Alex Paulo da Silva, 40, quase tão fanático pelo time de Messi quanto pelo Corinthians.

“Sempre vi garra nos jogadores argentinos. Fui cativado por seu sofrimento e sua raça “, explica ele, que, menino, torcia escondido com medo de represálias ou censura.

Dela não escapou o advogado Pedro Abramovay, 38. Num passeio com o filho pequeno no Rio, entre olhares estranhos e insistentes, um senhor os abordou. “Vocês são argentinos, né?”. Diante da negativa, a indignação: ”Então por que é que estão usando camisetas da Argentina?”.

“Gosto do país, gosto dos argentinos, gosto de Maradona”, justificou-se, sem sensibilizar o irritado torcedor canarinho.

“Meu filho não entendeu nada. Para ele, nosso rival é a Alemanha, que nos bateu por 7 a 1, e não a Argentina”, relativiza Abramovay, que admira a seleção argentina, mas torce mesmo é para a brasileira.

Para o cartunista Adão Iturrusgarai, 53, que vive no país vizinho há 11 anos, não existe polêmica: ele torce para Brasil e para a Argentina. “Isso dobra as minhas chances de ser feliz. O problema é quando as seleções se encontram”, diz.

Argentina e Brasil não se enfrentam numa Copa desde 1990, mas podem se encontrar nas semifinais deste ano.

“Num eventual embate, acho que vai prevalecer o Brasil. Mas se a seleção começar com essas frescuras de jogar mal, vou para a Argentina. Eu torço por um jogo bonito.”

Ele acha rivalidade “boba”, que parece ser mais intensa do lado de cá da fronteira.

Essa assimetria foi expressa pelo sociólogo argentino Pablo Alabarces na frase: “Os brasileiros amam odiar a Argentina, enquanto que os argentinos odeiam amar o Brasil.”

Tal lógica ficou evidente na pesquisa do sociólogo brasileiro Ronaldo Helal, 62, professor da UERJ (Universidade do Estado do RJ) que estudou a rivalidade futebolística a partir da imprensa.

“Os argentinos explicitam sua admiração pelos brasileiros, mas o contrário não ocorre. Se o Brasil não joga bonito, os argentinos lamentam no lugar de comemorar.”

Helal diz que, no Brasil, o locutor global Galvão Bueno é um dos responsáveis pelo acirramento da rivalidade com os vizinhos ao reiterar que ganhar da Argentina é melhor do que vencer outros times.

Se, para alguns brasileiros, sobra entusiasmo pela garra argentina, pelos cantos da torcida, por Messi ou pela trajetória do anti-herói Diego Maradona, para outros foi o desgosto com o futebol brasileiro que os fez virar a camisa.

Os motivos vão dos escândalos de corrupção na CBF à postura considerada antipática do ídolo Neymar.
“Corrupção por corrupção, Argentina e Brasil empatam. Mas os presidentes da CBF estragaram o futebol nacional”, diz o produtor cultural Rafael Spaca, 37. Já o jornalista Rodrigo Durão Coelho, 47, frisa que a personalidade de Neymar afasta seu coração da seleção. “Ele é trapaceiro. Joga melhor que todo mundo, mas prefere ficar simulando faltas.”

Segundo o professor Newton César de Oliveira Santos, 53, autor de “Brasil e Argentina - Histórias do Maior Clássico do Futebol Mundial” (ed. Scortecci), a rivalidade entre as seleções “mascara um tremendo respeito e uma tremanda admiração das duas partes, que a gente evita reconhecer abertamente”.

“A gente gostaria de ter a raça e o tipo de amor que a torcida argentina tem pela sua seleção. Por outro lado, eles adorariam jogar, não aquele tango, mas um futebol lúdico e alegre como o dos brasileiros.”

TIPOS DE TORCEDORES

1) Torce para o Brasil, mas gosta da Argentina

2) Torce para o Brasil e para a Argentina na Copa

3)Torce para a Argentina e é indiferente ao Brasil

4) Torce para a Argentina e contra o Brasil

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