Endividada, Portuguesa joga por primeiro acesso após 4 quedas

Quando avisou aos amigos ter aceitado proposta para ser técnico da Portuguesa, Vica ouviu a mesma reação. Foi como se todos eles tivessem combinado.

“Você é louco!”

Não parecia mesmo ser uma decisão sã. A Portuguesa era lanterna da Série A2 do Campeonato Paulista e não havia vencido nenhuma vez. Com as contas bancárias bloqueadas, rendas penhoradas, oficiais de Justiça caçando qualquer recurso financeiro do clube e quatro rebaixamentos nos últimos cinco anos, a Lusa parecia terra arrasada.

Um mês depois, Vica pode dar uma rara alegria para o torcedor. Se vencer o Santo André, no sábado (30), às 15h, no estádio Bruno José Daniel, no ABC, a Lusa se classificará para as quartas de final da segunda divisão estadual.

“Se qualquer outro time dessa divisão me convidasse, eu não aceitaria. Mas a imagem que eu tenho da Portuguesa não é essa de hoje. É a da Portuguesa tradicional, do time que estava sempre na elite. O primeiro objetivo era não cair. Mas agora queremos mais”, disse o treinador após o treino desta terça (26).

Os dois finalistas sobem para a elite.

Depois da chegada de Vica, a Lusa tem cinco vitórias e uma derrota. Se vencer o Santo André, ficará na sétima ou oitava posição, a depender do resultado do Taubaté. Classificam-se os oito primeiros.

Desde a escalação irregular de Heverton na última rodada da Série A do Brasileiro de 2013 (um assunto não esclarecido para a torcida da Portuguesa) e o rebaixamento para a 2ª divisão, o clube entrou em espiral de decadência sem fim.

Caiu para a Série C em 2014, para a D em 2016 e como foi lanterna do seu grupo na última divisão do país em 2017, está sem torneio nacional para disputar. Em 2015 saiu da elite estadual e desde então a possibilidade de rebaixamento para a Série A3 foi mais real do que o acesso para a A1.

O futebol da Portuguesa tenta se manter vivo entre ações trabalhistas, dívida de R$ 354 milhões e penhora até de troféus como o da Barcelusa, apelido do elenco campeão nacional da Série B em 2011. 

Mas os jogadores treinavam como se não houvesse nenhuma preocupação no mundo.

“Deixa eu ir embora porque vai começar a novela”, diz o atacante Anderson Cavalo, 32, artilheiro da equipe na Série A2, com cinco gols.

A preocupação do presidente Alexandre Barros, ex-radialista que acompanhou a Portuguesa por mais de duas décadas antes de se eleger para o cargo, é outra. Garantir que os jogadores recebam o salário de março até esta sexta (29). 

“De fora, eu tinha uma visão do que era administrar o clube. Quando você senta na cadeira, é outra coisa”, confessa.

Pedir ajuda financeira à Federação Paulista de Futebol não adianta. Qualquer dinheiro que cair na conta corrente da agremiação será bloqueado para pagar dívidas.

O futebol é feito, segundo Barros, com “ajuda de abnegados” que ele não diz quem são. 

Antes do início do Campeonato Paulista, ele bolou uma fórmula para conseguir receita: o carnê de ingressos. Os sete jogos como mandante na Série A2 foram vendidos de uma vez por R$ 140. 

Como os carnês foram negociados em janeiro, quando a Justiça estava em recesso, arrecadou na boca do caixa do clube R$ 140 mil, investidos no futebol. Quando os cobradores foram atrás da receita, esta já não existia mais.

Para forçar a torcida a aderir à ideia, colocou o ingresso individual de arquibancada a R$ 100. Em todo o torneio, vendeu apenas 13. Os R$ 1.300 obtidos foram bloqueados por oficiais de Justiça.

São assuntos que passam à margem do elenco, com os jogadores dando mais atenção ao resultado do rachão, disputado em campo reduzido no estádio do Canindé.

A mudança de humor aconteceu a partir da mudança de estilo de jogo imposta por Vica. Ele aboliu o losango no meio-campo, utilizado pelo técnico Luis Carlos Martins, e colocou dois meias abertos pelas laterais para municiar Anderson Cavalo na área.

“Quando a bola chega, fica mais fácil. As pessoas não percebem que a Portuguesa ainda é uma vitrine. Quem vem para o clube aparece muito mais do que em outros lugares. E se a gente conseguir, apesar de todos os problemas, classificar e fazer a Portuguesa subir para a Série A1 do Paulista, estaremos na história do clube”, analisa Cavalo, que tem contrato até o final do ano.

Com ou sem acesso, a Portuguesa terá no segundo semestre a Copa Paulista. Um torneio esvaziado, pouco relevante, mas que, para a equipe do Canindé, é o caminho para voltar a disputar um torneio nacional em 2020. O campeão pode escolher entre jogar a Copa do Brasil ou a Série D do Campeonato Brasileiro.

“Se a Portuguesa for campeã da Copa Paulista, vamos escolher a Série D para voltar a disputar o Brasileiro. A Copa do Brasil é mais rentável, mas precisamos retornar ao Brasileiro”, afirma Barros, deixando em segundo plano os R$ 500 mil  pagos por apenas participar da Copa do Brasil. 

Talvez porque saiba que o dinheiro terá um destino que não será o cofre da Lusa.

Não poder trabalhar com um planejamento de longo prazo não é animador. Ainda mais na Portuguesa, que vive sempre na expectativa quanto ao futuro do Canindé. 

O estádio será leiloado? Por quanto? Qual valor a Portuguesa terá direito no final de tudo? Que destino terá o futebol profissional?

Até quando a sobrevivência da Portuguesa vai depender de receitas que não podem ter a origem divulgada?

“A gente pode melhorar isso em campo. Se colocarmos o time na elite do Paulista, já tem milhões de direito de TV, se começarmos a subir no Brasileiro da Série B são R$ 6 milhões ou R$ 7 milhões de direitos de TV. Nós podemos começar o processo de ressurgimento da Portuguesa”, completa Vica, que relembra o dia que jogou contra Enéas, histórico meio-campista da Lusa. 

Na época, o hoje treinador da Portuguesa era zagueiro do Joinville e da Ferroviária.

Para isso ressurgir, será preciso ganhar do Santo André. E “vencer” não é um verbo que tem sido muito empregado na Portuguesa desde 2013.

No meio do treino, o presidente Alexandre Barros recebe um telefonema.

“Eu sabia! Sabia!”, exulta.

Era a notícia de que o SporTV havia decidido transmitir a partida em Santo André. Mas por que a festa? A exibição ao vivo vai render dinheiro para a Lusa?

“Não. Mas o jogo vai ser mostrado para o Brasil inteiro. O árbitro vai pensar duas vezes antes de nos prejudicar.”

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