Decorar pode ser útil na hora de estudar para o vestibular

A era da "decoreba" nos vestibulares pode ter acabado —questões que exigem conhecimento enciclopédico de uma gama de assuntos faz tempo têm cedido lugar a um modelo que privilegia o raciocínio e a reflexão. 

Mas anos de pesquisa da área da ciência cognitiva indicam que técnicas de memorização podem, sim, ajudar os alunos a absorver informações e retê-las por um tempo maior.

A estratégia mais estudada (e com melhores resultados) é chamada de "prática de recuperação". 

Ela consiste simplesmente em submeter os estudantes a baterias de testes sobre o conteúdo a que foram expostos, forçando-os a tentar puxar da memória (recuperar) respostas sobre o assunto.

Uma revisão de literatura de 118 artigos sobre o tema realizada em 2017 apontou que esse hábito é significativamente mais efetivo do que outros métodos de estudo, como a releitura de textos ou criação de mapas conceituais.

Esses testes podem ser em quase qualquer formato. O aluno pode responder questões abertas ou de múltipla escolha, usar uma folha em branco para escrever tudo o que se lembra da matéria, fazer cartões resumindo tópicos, explicar o conteúdo de cabeça para um colega ou até desenhar. 

O importante é estimular a memória, segundo escrevem as professoras de psicologia cognitiva Yana Weinstein e Megan Sumeracki no livro "Understanding How We Learn" (Taylor and Francis, sem edição no Brasil. Em tradução, "Entendendo Como Aprendemos").

Uma explicação para o porquê de esse método ser eficiente é que ele ajuda a "treinar" o cérebro. 

"Quando você adquire o hábito de tentar se lembrar de uma informação, o acesso a ela é facilitado porque você reforça a conexão entre as regiões do cérebro envolvidas nessa lembrança, tornando-as mais capazes de resgatar memórias", diz Christopher Madan, professor de psicologia da Universidade de Nottingham, do Reino Unido.

"Para transformar uma informação em memória de longo prazo, é preciso reforçar o padrão de sinapses ligadas a ela. E esse fortalecimento acontece pelo uso", explica Alfred Scholl Franco, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em neuroeducação.

Sem saber da teoria, o estudante Gabriel Mattucci, 17, primeiro colocado no mais recente vestibular de medicina da USP (Universidade de São Paulo), percebeu isso na prática. 

Ele conta que, quando começou o ensino médio, tentava se preparar para as provas anotando o que ouvia nas aulas e depois relendo seus cadernos. 

Após os primeiros exames, percebeu que o método não estava funcionando e mudou: passou a usar o tempo de estudo em casa para responder questões de vestibulares passados e fazer exercícios práticos, modulando a quantidade de testes de acordo com suas afinidades acadêmicas.

"Eu sempre tive facilidade com matemática, então só as questões da aula eram suficientes para eu entender o conteúdo. Mas sempre fui inseguro com história, então cheguei a fazer 50 exercícios por dia em alguns períodos", diz.

A estratégia também ajudou Gabriel a perceber onde estavam as deficiências do seu aprendizado. 

Quando tinha dificuldades em alguma questão, consultava os livros e anotava a resposta certa em um post-it, que então colava em um painel no seu quarto.

Os avanços das últimas décadas na psicologia cognitiva e na neurociência põem em xeque a ideia comum de que aprendizado e memorização são de alguma forma opostos ou incompatíveis.

"A contraposição de decorar e aprender é de um discurso leigo. Na verdade, se você considera que aprender implica em mudanças nas sinapses, tudo é formar memória", diz o professor Edmilson Motta, coordenador do Grupo Etapa.

A questão, então, é como usar a formação de memória para registrar informações mais complexas do que uma simples fórmula, uma data ou outros dados sem contexto, que têm pouca utilidade nos vestibulares atuais e que não levam a um aprendizado aprofundado.

Em vez de tentar memorizar fatos crus, por exemplo, qual é o elemento número 8 da tabela periódica, o aluno deve se fazer perguntas mais sofisticadas, como quais os elementos de números mais altos do que 8 e como suas composições se diferenciam ou como o elemento número 8 reage com outros elementos, explica Madan, da Universidade de Nottingham.

"Usar questões com mais nuances leva a memórias mais fortes, que duram mais e que podem vir à mente com mais facilidade", afirma.

Além dos testes regulares, também pode ajudar seguir outras técnicas de eficiência comprovada pela psicologia cognitiva, como distribuir os estudos ao longo do tempo, associar os conceitos estudados a exemplos concretos e visualizar informações em diferentes formatos.

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