Cultura é estrutural, não deve ser mera cereja do bolo, diz Sérgio Mamberti na Folha

“A cultura não deve ter o papel de cereja do bolo. Quando a gente fala de cultura, estamos falando de estrutura.” Foi com esta frase que o ator e diretor de teatro Sérgio Mamberti iniciou sua participação no primeiro debate que celebra os 60 anos do caderno Ilustrada.

A conversa, que aconteceu nesta quarta-feira (7), no auditório da Folha, em São Paulo, colocou no mesmo palco Mamberti, Rodrigo Linhares, diretor de novos negócios e consultor da Jleiva Cultura & Esporte, e Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Mediados pela jornalista da Folha Teté Ribeiro, debateram como financiar a cultura no Brasil atual.

Mamberti, que presidiu a Funarte no segundo governo Lula, destacou a importância da cultura como instrumento de desenvolvimento humano e disse que a arte é sobretudo resistência.

“Foi a cultura que nos fez superar a ditadura militar. Ela deve ter um papel importante para que o Brasil retome um caminho mais democrático e menos autoritário. Só a cultura cria novas perspectivas”, afirmou. Ele considera “opacos” os prognósticos para a área no governo Bolsonaro, ao qual se referiu algumas vezes sem citar o nome.

Mamberti lembrou que o tema da noite seria caro ao diretor de Redação Otavio Frias Filho (1957-2018), morto em 21 de agosto. Também defendeu uma imprensa livre para construir "uma sociedade mais justa”.

Por fim, disse acreditar que o financiamento da área é estratégico para que possa haver um projeto cultural que compreenda a diversidade cultural brasileira. Citou a Declaração Universal da Diversidade Cultural, documento reconhecido pela Unesco segundo o qual o Brasil se compromete a “promover as expressões culturais em sua diversidade”. Para Mamberti, um projeto de cultura para o país vai muito além da defesa da Lei Rouanet.

Conhecida como o principal mecanismo federal de incentivo à cultura, a Rouanet ocupou boa parte da conversa. O consultor Rodrigo Linhares explicou que o mecanismo funciona como uma parceria público-privada, baseado em um tripé. Há o proponente do projeto (em geral, um produtor cultural), o poder público (que dá as regras do jogo, através das regulamentações) e os agentes privados (que deduzem do seu imposto de renda o dinheiro investido em um projeto cultural).

Linhares abordou duas críticas comumente feitas à Rouanet. A primeira é uma concentração dos projetos na região Sudeste e o fato de que os aprovados, muitas vezes, são decididos pelos departamentos de marketing das empresas. A segunda é uma suposta utilização ideológica da lei pelo governo, como se o mecanismo fosse feito para “perpetuar uma visão de esquerda”.

Respondeu à primeira crítica dizendo que o debate é válido e baseado em critérios objetivos —a conversa pode ser travada com base nos dados disponíveis sobre os projetos nos portais do Ministério da Cultura. Sobre a segunda, afirmou que é um debate mais complicado porque se trava em critérios subjetivos e que, no fundo, essa conversa acaba sendo “a imagem pública do setor cultural”.

Segundo Linhares, mesmo que não haja uma aversão à cultura no Brasil por uma parcela da população, há um “discurso pesado” em torno da Rouanet. Para que isso mude, acredita ser necessário que o setor cultural trabalhe seu “branding”, ou seja, sua imagem, para que possa se “reposicionar na cabeça das pessoas”.

Por fim, defendeu a lei, ao dizer que ela não é obrigada a “solucionar a complexidade cultural” do país.

Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, o cerne dos problemas em relação à Rouanet é o fato de que “há poucos dados disponíveis e os que existem são pouco debatidos”. 

Ele acredita que colocar a cultura em termos numéricos é uma forma do universo artístico defender suas causas. “O mundo da cultura fica falando só da questão simbólica, que é muito importante, mas o que se tem que afirmar são os números. Saber provar do ponto de vista econômico o quanto a cultura é importante."

Para efeitos de comparação, citou como exemplo que, no ano passado, a indústria automobilística recebeu R$ 7 bilhões em incentivos fiscais, e contribuiu com 4% do PIB. Já a cultura recebeu valor muito menor em incentivos —R$ 1,2 bilhão— e contribuiu com 2,6% do PIB.

Saron colocou a Rouanet em perspectiva, dizendo que a lei é apenas um dos mecanismos de incentivo fiscal existentes e que, às vezes, recebe atenção desmedida. Há ainda o Fundo Nacional de Cultura, cuja ideia seria abordar projetos de relevância cultural mas de baixo impacto de reputação para as empresas —por exemplo, a restauração de um acervo de museu— , e os Ficartes, fundos destinados à economia criativa que nunca entraram em vigor.

Saron citou exemplos ao redor do mundo, afirmando que os Estados Unidos usam mecanismos de incentivo fiscal e que nem o Louvre, em Paris, mantém-se apenas com a venda de ingressos, dependendo de verbas do governo para seu funcionamento.

Por fim, destacou a importância da lei no momento em que a Constituição Brasileira faz 30 anos. Segundo ele, há na Carta três verbos que resumem a Rouanet: apoiar, garantir e fomentar. As três palavras, disse, fazem parte de uma lei cidadã que “possibilita a fruição do mundo da arte e da cultura”. 

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