Cidade mexicana se divide entre medo e compaixão por migrantes de caravana

Na saída do acampamento improvisado para migrantes na cidade mexicana de Tijuana, filas de pessoas se formam no meio da rua para conseguir sanduíches de graça num albergue vizinho e para doação de sapatos distribuídos do porta-malas de uma van.

Há também quem aguarde um caminhão que leva pessoas a uma feira de empregos perto dali e os que esperam atendimento nas tendas da Secretaria de Saúde. “Já vimos uns 300 só pela manhã”, comenta um enfermeiro de máscara. “Muitos estão gripados, esfriou bem e eles dormem ao relento.”

A dona de casa Brenda Berenice, 38, observa tudo com apreensão no quintal de sua casa, que dá de frente para o centro esportivo que virou abrigo para os migrantes vindos da América Central. “Não nos incomoda, mas me assustei com a gritaria ontem e cortei o dedo na cozinha”, disse à Folha. “São todos humanos, é muito triste. Ajudamos quando podemos. Às vezes eles pedem para usar as tomadas para carregar celulares.”

Brenda mora com o marido, entregador de comida de um aplicativo, e três filhos, de 17, 11 e 1 ano. O vira-lata Xada foi presente de uma caravana menor de migrantes que passou três meses atrás. 

“Era um grupo pequeno e podíamos dar comida. Agora são muitos, não tem como”, comentou. Seu marido Alejandro, 40, se mostrava bem mais preocupado: “Há pouca polícia. Temo deixar minha família aqui quando vou trabalhar.” 


Dois quarteirões na entrada do acampamento foram fechados, numa rua paralela ao muro de fronteira com os EUA. Policiais e agentes federais ficam de olho na movimentação. Os cerca de 5.000 migrantes, a maioria vinda de Honduras fugindo da extrema pobreza e violência de gangues, vêm chegando há mais de uma semana e querem asilo humanitário.

O cozinheiro Rubem Duran, 60, mora no bairro há 30 anos e deixou água para os refugiados na mureta de sua casa. “Eles deixaram umas roupas penduradas aqui. Acho que ganharam e não gostaram, não eram de marca”, disse rindo. “A bagunça incomoda um pouco. É culpa do governo que não estava preparado.”
Seu filho vendia burritos e hambúrgueres numa barraquinha da esquina. “É curioso, eles têm dinheiro, sim. E chegam famintos.”

Nem todo mundo demonstra tanta paciência com a caravana. O prefeito de Tijuana, Juan Manuel Gastelum, chegou a pedir a expulsão dos migrantes pelo governo federal, enquanto uma manifestação de algumas centenas de moradores exigia a retirada deles, no final de semana passado.

Nesta sexta (23), Gastelum disse que a cidade vive uma crise humanitária e pediu ajuda às Nações Unidas.

Para o taxista José David, 54, os hondurenhos “são muito grosseiros”. Ele conta um caso, repetido por outras pessoas, de três refugiados que foram pegos fumando maconha dentro do acampamento.


“Eles não estão fazendo as coisas de maneira correta. Todo mundo está indignado. Eles precisam esperar sua vez”, disse sobre o pedido de asilo, que demora meses para ser processado. “Os haitianos vieram e não ficaram bebendo e fumando maconha nas ruas. Estão todos trabalhando agora.”

Trabalho, de fato, não falta na cidade. A oito quadras do acampamento, uma feira de empregos foi levantada às pressas numa tenda simples, num campinho de futebol, para ajudar os recém-chegados. A região é conhecida pelos enormes parques industriais, principalmente de montadoras de carros e firmas de tecnologia, devido à boa localização e mão de obra barata.

“Temos 7.000 vagas de empregos aqui e agora e 60 empresas representadas”, disse o diretor de Serviço Nacional de Empregos de Baja Califórnia, Luís Rodolfo Enriquez Martínez. “Os que criticam os hondurenhos precisam vir aqui na feira para ver. Todos querem trabalhar. Somos uma região de migrantes, não podemos dar as costas a essas pessoas.”


A feira deve durar um mês, e um caminhão trazia 25 pessoas de cada vez do acampamento. Em três dias, atendeu 300 pessoas. Os migrantes fazem um registro onde contam suas habilidades e tiraram carteira de residência temporária para poder trabalhar e ter seguro social.

Havia menos de cem pessoas no local. A reportagem conversou com cinco e nenhuma demonstrou muito entusiasmo, por conta da burocracia. “Estou faz três dias esperando o papel de residência. Tudo parece muito complicado”, disse José Fidel, 29, que tenta emprego de pintor.

Muito mais gente se encontrava de forma bem menos organizada em uma manifestação na frente do Porto Fronteiriço El Chaparral, a poucos minutos caminhando dos EUA. Um cordão policial cuidava da passagem, enquanto cerca de 200 migrantes sentavam no chão, incluindo crianças pequenas aos pés dos guardas.

O ex-operário de construção hondurenho Franklin Alexander, 26, levou seu colchonete e sua mochila com todos os seus pertences. “Queremos pressionar as autoridades. Vamos dormir aqui. O acampamento está cheio demais”, disse. “Tijuana tem sido boa para nós, ganhei esse colchonete e também roupas”, disse, mostrando a combinação de sapatos e camiseta, ambos na cor rosa. “Combinou, não?”

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