Velocidade de expansão do Universo causa alvoroço na astronomia

No filme “Annie Hall” (1977), dirigido por Woody Allen, há uma cena que ficou famosa entre astrônomos. Nela, o usual personagem alter ego do diretor, ali um adolescente neurótico, fica deprimido por ter lido que o Universo está em expansão. Sua mãe, tentando acalmá-lo, diz: “Mas você mora no Brooklyn! O Brooklyn não está em expansão!”

O garoto ficaria mais alarmado ainda se soubesse das últimas notícias. Não, o Brooklyn ainda não está em expansão. Mas observações recentes mostram um Universo se expandindo mais rápido do que deveria.

A descoberta de que o Universo está em expansão é antiga —foi feita no final dos anos 1920 pelo astrônomo americano Edwin Hubble. A taxa de expansão, que imaginamos ser a mesma em qualquer lugar do espaço, leva seu nome: a constante de Hubble.

No final dos anos 1990, em posse de tecnologias inexistentes na época de Hubble, três times de pesquisa, liderados pelos americanos Adam Riess, Saul Perlmutter e Brian Shmidt, resolveram medir mais precisamente a velocidade de expansão do Universo. Mas como medir a distância daqui até outra galáxia?

Medições diretas são impossíveis. Podemos tentar estimar quão longe está uma estrela pelo seu brilho, mas não é fácil dizer se a pequena intensidade do brilho advém de fraca potência ou de uma grande distância. A solução foi encontrar processos estelares que sempre emitem luz com a mesma intensidade. Qualquer desvio de intensidade é então atribuído à distância entre nossos telescópios e essas fontes de luz. Esses objetos, ou processos, são chamados de “velas-padrão”.

Usando esses sinais, os três pesquisadores descobriram, para sua surpresa, que a expansão do Universo fica mais rápida a cada momento. Assim como uma pedra jogada para cima perde velocidade, a expectativa anterior era de que a atração gravitacional entre as galáxias com o tempo também diminuiria suas velocidades relativas.

Todos esperavam que a expansão estivesse desacelerando, e não o contrário! É como se as pedras, a certa altura, começassem a ganhar velocidade para cima.

Essas observações, feitas originalmente por Riess, Schmidt e Perlmutter, foram posteriormente confirmadas à exaustão por centenas de pesquisadores. Hoje, a constate de Hubble está determinada com imensa precisão: a cada megaparsec (3,26 milhões de anos-luz) adicional de distância entre duas galáxias, sua velocidade relativa aumenta em 72 km/h (com uma incerteza de apenas 2%, aproximadamente).

A constante de Hubble foi incorporada pelo modelo-padrão de astronomia, que explica a expansão do espaço sideral como se fosse a massa de um bolo levado ao forno. Até aí tudo bem.

O resultado recente que está causando alvoroço na comunidade científica veio de medições precisas feitas pelo satélite Planck de 2013 até hoje (o último relatório foi publicado em agosto do ano passado).

O satélite não fez medições de outras galáxias e não usou “velas”. Ao invés disso, registrou detalhadamente radiação ambiente emitida no começo do Universo, algumas centenas de milhares de anos após o Big Bang.

Usando o modelo-padrão de cosmologia, é possível extrapolar esses dados sobre um Universo juvenil para obter uma taxa de expansão do Universo atual. O resultado: de acordo com as medições do satélite Planck, deveríamos esperar hoje um incremento de velocidade entre galáxias de somente 67 km/h por megaparsec.

Pode não parecer muita diferença para nós, mas é escandalosa para a precisão e as expectativas altíssimas de cosmólogos e astrônomos modernos.

Para Adam Riess, ganhador do Prêmio Nobel de Física pela descoberta da expansão acelerada, “talvez devêssemos estar contentes que nosso erro é somente cerca de 9%, mas, como a margem de erro é de só 2,2%, 9% é muito. Diz que não estamos entendendo alguma coisa".

Infelizmente, ninguém sabe de onde vem a discrepância. “Há bastante comunicação entre astrônomos associados ao satélite Planck e o resto da comunidade, todos checando suas análises, seus resultados e sua consistência", diz Bradford Benson, da Universidade de Chicago.

Mas, até agora, nenhuma fonte de incerteza se voluntariou para levar a culpa. "Poderia ser um problema em como estamos fazendo as medições, poderia ser um problema em como as estamos interpretando, podemos estar pressupondo demais daquilo que observamos; todas essas coisas foram testadas e ainda não há explicação convincente”, afirma Stephen Feeney, do Instituto Flatiron.

“É tentador”, diz Feeney, “acreditar que parte do modelo-padrão de cosmologia está errado". Mas o modelo é incrivelmente bem-sucedido em inúmeras outras frontes, e modificá-lo sem estragar nenhum dos seus sucessos é tarefa complicada. Em uma conferência em abril do ano passado, chamada “Crise na Cosmologia”, pesquisadores se encontraram para procurar soluções.

Algumas tentativas reciclam um fenômeno que muitos cosmólogos acreditam ter ocorrido nos primeiros segundos do Universo: uma expansão feroz, muito maior do que a de hoje, chamada de “expansão inflacionária”. Nesse cenário, a expansão que temos hoje também poderia terminar um dia, assim como terminou a inflacionária. Nesse caso, o garoto de "Annie Hall" estaria seguro.

Outros pesquisadores acreditam que a constante de Hubble aumenta com o tempo. Nesse caso, o Universo poderia se expandir mais e mais rápido, até um término violento, conhecido como Big Rip (o grande rasgão do espaço-tempo). Nem o Brooklyn seria salvo.

Por enquanto, o mais seguro é apostar somente na confusão, já que ainda não sabemos o que está acontecendo. Talvez seja o caso de até celebrarmos o sucesso dessas ciências.

Pense: estamos falando de uma diferença de velocidade de 7 km/h —praticamente um jogging matinal—acumulada a cada 3,26 milhões de anos-luz! Para ser claro: essa é a distância que a luz percorre em 3,26 milhões de anos. Nessa velocidade, o diâmetro da Terra inteiro é coberto em somente 0,04 segundo.

Para um valor calculado a partir de fenômenos tão distintos —um da infância do Universo e outro de hoje— os números são incrivelmente próximos. De acordo com Benson, "estamos dizendo que isso é uma ‘crise na cosmologia’, mas você pode colocar essa história de ponta-cabeça e dizer que o fato que os números discordam por menos de 10% é bem impressionante”.

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