'Vamo', adotado por candidatos, é versão moderna da roupa branca da Roma antiga

Apresentando-se vestido de branco sobre branco, Guilherme Boulos investiu, de forma consciente ou não, na pureza etimológica da palavra “candidato”. O termo latino “candidatus” se referia às togas alvas que os postulantes a cargos públicos envergavam na Roma antiga. Supunha-se que isso passasse mensagens como honestidade, sinceridade, pureza.

O pioneiro dicionarista Rafael Bluteau escreveu no século 18 que era como se os candidatos romanos “quisessem mostrar a candideza do seu ânimo na sua pretensão, dirigida só ao bem público; ou também porque queriam dar a entender que não fundavam nos seus merecimentos, mas na bondade e virtude dos que haviam de eleger, o sucesso da pretensão”. Isso se não quisessem apenas se destacar da multidão, claro.

Marina Silva era, depois de Boulos, a mais “cândida” no velho sentido romano, ainda que sem o mesmo radicalismo monocromático. A rigor, Álvaro Dias foi o único que abriu mão inteiramente do branco no figurino: a persistência de certas ideias através dos tempos é impressionante.

Quem sabe foi por vingança que o branco, agora figurado, andou aparecendo nas falas de Dias sob a forma de elipses, hesitações e descontinuidades lógicas. Sua inusitada referência à PM Juliane dos Santos, assassinada por bandidos, num comentário sobre igualdade salarial entre homens e mulheres soou como um desses lapsos, embora talvez fosse só oportunismo.

Candidamente popular, a pronúncia “vamo” tornou-se, a julgar por esse debate, uma espécie de versão linguística da velha roupa branca. Nada contra, mesmo porque seria absurdo censurar os candidatos por aproximarem seu linguajar – de forma espontânea ou estudada, não importa – do de seus eleitores.

De todo modo, não deixa de ser curioso notar o sumiço unânime desse “S” em assembleia tão eclética quanto a que se reuniu nos estúdios da Band. Onde ele teria ido parar? A resposta não demorou a se revelar: o inacreditável Cabo Daciolo acusou Geraldo Alckmin de ser apoiado por “noveS partidos”. Ah, bom!

O candidato do PSDB não foi exceção na hora de pegar o bonde do “vamo”, mas tem trabalho pela frente se quiser tornar sua linguagem realmente acessível: “spread”, jargão econômico cascudo, não se faz acompanhar de nenhuma colher de chá para as multidões que ignoram o que significa. A ideia de trazer novos “players” para o jogo talvez seja compreendida por mais gente, mas o modismo anglófilo soa elitista mesmo assim.

Ciro Gomes, mais desenvolto que Alckmin na hora de soar como “homem do povo”, também incorreu em pernosticismos (“colapsado”, “descartelizar”), mas renovou sua confiança na capacidade que têm os detalhes – mesmo os fantasiosos, como sabem os escritores – de conferir um ar de verdade a qualquer afirmação. As “7507 obras paradas” que denunciou soaram mais concretas do que qualquer número redondo.

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