Trump, no último degrau da degradação

Após 55 de jornalismo, a maior parte deles cobrindo política nacional e internacional, achava que já tinha ouvido todas as qualificações mais pesadas que se podem usar contra governantes, à direita ou à esquerda.

Ainda mais nos anos recentes, em que as redes sociais permitem que livre-atiradores pratiquem emboscadas contra os que detestam, sem precisar prestar contas.

Não é que me enganei? Donald John Trump conseguiu bater qualquer recorde anterior de condenações veementes por parte da mídia e/ou de seus adversários políticos. Até mesmo de correligionários, como mostrou nesta Folha o sempre atento e cirúrgico Nelson de Sá.

Mas o ápice da crítica apareceu nesta terça-feira (17) em The New York Times. Michelle Goldberg titula assim sua coluna: "Trump mostrou ao mundo que ele é lacaio de Putin".

Michelle não é uma colunista em busca de seus 15 minutos de fama por meio de um ataque tão frontal ao presidente de seu país. Fama, ela já tem suficiente. Ganhou até o principal prêmio jornalístico americano, o Pulitzer, por fazer parte de uma equipe que denunciou assédio sexual em locais de trabalho.

Quando ela usa “lacaio de Putin”, está apenas expressando a imensa indignação de parte importante do público e do establishment americanos com o desempenho de Trump no encontro com o líder russo.

A força da crítica é mais fácil de medir quando se sabe que os americanos passaram quase toda a segunda metade do século passado vendo comunistas em toda parte. Mesmo depois que o comunismo perdeu a batalha ideológica para o capitalismo de que os Estados Unidos são os campeões, tudo que cheirasse mesmo remotamente a União Soviética, Rússia, comunismo e adjacências era (ou ainda é) anátema.

Ser “lacaio” de um líder russo, ainda por cima ex-integrante dos serviços soviéticos de espionagem, é muito mais grave do que xingar a mãe ou acusar alguém de pedófilo.

Michelle não se contentou com esse rótulo: escreveu ainda que a Presidência Trump é uma “abominação repulsiva".

Não vou nem comentar o encontro Trump/Putin, pela simples razão de que já o fiz no domingo (15) com a seguinte abertura: “Por fim, Donald Trump chega nesta segunda-feira (16) a um encontro em que se sentirá confortável. Será com o presidente russo Vladimir Putin, ao qual já deu inúmeras mostras de admiração (e, no íntimo, de agradecimento pelas intervenções russas a seu favor durante a campanha eleitoral de 2016. Digo no íntimo porque, publicamente, não pode admitir que elas existiram)".

É isso. Qual a surpresa em que ele negue, de público, o que a inteligência americana comprovou?

O que ficou do encontro não é o que se disse ou se deixou de dizer, até porque pouco do que Trump diz é digno de se escrever. O que ficou é a escalada de desqualificações ao presidente da que é, ainda, a mais poderosa nação do planeta.

Quando um colunista espetacular como é Martin Wolf, do Financial Times, tasca em Trump o rótulo de “ignoramus", como o fez na semana passada, e quando outra colunista de jornal relevante o considera “repulsiva abominação", nada mais resta a dizer sobre Trump.

Felizes os tiranetes e os medíocres incompetentes espalhados por aí. Ficam parecendo estadistas porque não há rótulos a eles destinados que possam ser mais agressivos do que os usados para o presidente americano.

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