Triunfo croata expõe nacionalismo e constrange russos

Perguntado sobre a motivação para disputar a semifinal contra a Inglaterra, o técnico da Croácia não hesitou: “A vontade, o sentimento de nacionalismo”, disse Zlatko Dalic.

Na boca de um Tite, ninguém perceberia. Na Copa do Mundo em que o caldo político foi servido pelos antigos conflitos entre países dos Bálcãs, é lembrete de que política e futebol andam juntas.

A chegada da Croácia à final contra a França só magnifica a questão, além de causar constrangimento aos anfitriões da festa.

 

Palco de sangrentas guerras de independência que se seguiram ao esfacelamento da Iugoslávia, a partir de 1990, a região no sul europeu andava fora do foco do noticiário internacional.

Tudo começou no primeiro jogo do grupo do Brasil da Copa. Após a partida entre Sérvia e Costa Rica, a Fifa puniu a torcida do país europeu por cânticos nacionalistas e a presença de uma bandeira alusiva à resistência antifascista na Segunda Guerra.

Na disputa entre Suíça e Sérvia, na segunda rodada, dois jogadores de origem kosovar comemoraram seus gols contra os balcânicos fazendo um símbolo que lembra a águia albanesa.

É o símbolo de Kosovo, região que era controlada pela Sérvia que foi desmembrada após uma intervenção militar da Otan (aliança militar do Ocidente) em 1999.

Os jogadores foram multados e advertidos.

Além das provocações, há a questão de a Copa ser na Rússia. O país é aliado dos sérvios, com quem dividem etnia, alfabeto e religião.

Por fim, a vitoriosa e surpreendente Croácia. Logo depois da vitória sobre a Rússia nas quartas de final, o zagueiro Vida e o auxiliar técnico Ognjen Vukojevic foram parar em redes sociais num vídeo em que gritavam “Glória à Ucrânia”.

Era uma referência à ex-república soviética que teve o governo pró-Moscou derrubado em 2014, levando a uma intervenção militar do Kremlin, que anexou a Crimeia e apoiou separatistas.

Desde então, o governo de Vladimir Putin virou uma espécie de pária no Ocidente, e está sob sanções.

Vukojevic se desculpou, mas foi multado e banido da Copa, e a Federação Ucraniana de Futebol lhe ofereceu um emprego.

Já Vida recebeu só uma reprimenda após se desculpar, embora um segundo vídeo feito no mesmo dia esteja sob investigação. Nele, o jogador diz também “Queime, Belgrado!”.

No jogo desta quarta (11), ele virou o alvo principal da maioria da torcida russa presente na vitória croata sobre a Inglaterra, que levou o time à inédita final da Copa.

Pegava na bola, era vaiado. A torcida croata ainda estendeu uma faixa agradecendo os anfitriões em russo, mas não deu muito certo.

O caldeirão de rivalidades nos Bálcãs atravessa a história, chegando até à Batalha de Kosovo, em 1389, após a qual áreas sérvias foram dominadas por otomanos –muçulmanos como os kosovares, entre outros povos balcânicos, de hoje.

A semente dos ódios atuais entre croatas e sérvios, por sua vez, foi regada na Segunda Guerra Mundial.

Os nazistas ocuparam a Iugoslávia em 1941, e cederam o controle croata ao grupo fascista local, o Ustase. Seguiu-se um massacre de 300 mil a 600 mil sérvios.

Em 1945, o país foi reunificado e tornou-se comunista. Ao fim, os croatas sempre se ressentiram com o domínio de Belgrado sobre o país. Apesar de eslavos, são católicos e adotam o alfabeto latino.

Isso explodiu com a erosão do Estado socialista, centralizado na mão de Belgrado. Em 1991, a Croácia declarou sua independência em meio a uma violenta guerra civil, que deixou talvez 15 mil mortos, com registro de crimes de guerra de ambos os lados.

O futebol sempre esteve no centro da expressão das rivalidades. Times croatas e sérvios eram rivais nas ligas iugoslavas, e a seleção de Zagreb surgiu um ano antes da independência –sendo reconhecida em 1993.

Até aqui, o Kremlin agiu olimpicamente, até porque está mais interessado em colher o sucesso de organização da Copa.

Mas Vida deverá estar em campo no domingo, lembrando que nem tudo é só futebol, como alegou o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, ao minimizar o episódio do vídeo.

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