Tribunal condena pela primeira vez líderes do Khmer Vermelho por genocídio

Os dois últimos líderes ainda vivos da ditadura comunista do Khmer Vermelho no Camboja foram condenados nesta sexta-feira (16) à prisão perpétua por genocídio, na primeira vez que o crime foi reconhecido pelo tribunal que julga os crimes do regime que deixou quase dois milhões de mortos.

Nuon Chea, 92, é considerado o principal ideólogo do regime, que durou de 1975 a 1979, e braço direito do ex-ditador Pol Pot (1925-1998), enquanto Khieu Samphan, 87, era o chefe de Estado e principal porta-voz do governo. 

Os dois foram condenados também por crimes contra a humanidade e de guerra pelo tribunal especial criado em 2003 por um acordo entre o governo do Camboja e a ONU, com sede na capital, Phnom Penh. 

A dupla já tinha sido condenada à prisão perpétua em 2014 pelo seu envolvimento em desaparecimentos em massa e transferências forçadas de população, mas não por genocídio. 

Especialistas nunca chegaram a um acordo se o que ocorreu no Camboja pode ser classificado como genocídio, em especial porque a maior parte dos mortos era da etnia khmer, predominante no país e a qual pertencia a liderança do regime —cerca de um quarto da população morreu no período. 

Segundo definição da convenção da ONU, genocídio é uma ação planejada que tem como objetivo a destruição total de um grupo étnico, racial, religioso ou nacional. 

Para os juízes do tribunal, não há dúvidas que foi isso que ocorreu no Camboja contra três minorias: os vietnamitas, os chams e os budistas (que não foram incluídos diretamente no caso).

O objetivo do regime era "estabelecer uma sociedade ateia e homogênea, suprimindo todas as diferenças étnicas, nacionais, religiosas, raciais, de classe e culturais", afirmou o juiz Nil Nonn ao ler o veredicto. 

Samphan foi condenado apenas pelo genocídio de vietnamitas, enquanto Chea também foi considerado pela perseguição aos cham, uma minoria muçulmana. 

Os dois foram levados da prisão onde estavam para o tribunal para acompanharem o julgamento, mas Chea teve que ser levado a uma sala separada devido a problemas nas costas, enquanto Samphan ficou até o final do julgamento e não demonstrou emoção durante a leitura do veredicto. 

A maioria dos presentes no tribunal era formada exatamente por sobreviventes chams e seus familiares, que vibraram com a decisão do tribunal. 

"Os integrantes do Khmer Vermelho assassinaram quase 50 pessoas da minha família. É um sofrimento", afirmou o muçulmano cham Math Sos, 75, um dos presentes no tribunal. As estimativas são que entre 100 mil e 500 mil dos 700 mil membros da minoria que viviam no país tenham sido mortos pelo Khmer Vermelho. 

Durante o julgamento, que provavelmente será o último contra ex-membros do regime Khmer Vermelho, mais de 100 testemunhas prestaram depoimento para denunciar decapitações, estupros, casamentos forçados e canibalismo.

Os dois acusados negaram as acusações e seus advogados anunciaram que devem reccorrer. 

 

O primeiro-ministro cambojano, Hun Sen (no poder desde 1985), que também ocupou altos cargos no regime do Khmer Vermelho, pediu em vários ocasiões que nenhum outro suspeito seja enviado ao tribunal pelos crimes cometidos entre 1975 e 1979, pois teme que isso cause distúrbios no país. .

Para Youk Chhang, diretor do Centro de Documentação do Camboja, um organismo de pesquisa que proporcionou muitas provas ao tribunal, o veredicto "pode ajudar a encerrar um capítulo horrível da história cambojana".

"Este veredicto terá um peso muito importante para o Camboja, a justiça penal internacional e os anais da história", declarou David Scheffer, que auxiliou a ONU durante o processo.

Quando o julgamento começou em 2011, outros quatro ex-dirigentes estavam sentados no banco dos réus. A ministra de Assuntos Sociais do regime, Ieng Thirith, foi liberada em 2012 por seu estado de demência. Seu marido, Ieng Sary, ex-ministro das Relações Exteriores, morreu em 2013, com 87 anos.

Em um julgamento separado, o tribunal também tinha condenado Kaing Guek Eav, conhecido como "Duch", ex-diretor da prisão Phnom Penh S-21, onde 15 mil pessoas foram torturadas. Ele recebeu pena de prisão perpétua no julgamento da apelação em 2012. Não existe pena de morte no Camboja. 

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