Tite e a barreira da Copa América

Tite tem razão em não se sentir seguro no cargo de treinador da seleção brasileira, minimizando a garantia da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de que ele fica até a Copa do Mundo do Qatar, em 2022, mesmo se a equipe não ganhar a Copa América deste ano.

O ex-treinador do Corinthians, que assumiu o comando da equipe nacional na metade de 2016, sabe que, por mais que promessas sejam feitas, o que mantém o emprego do técnico de futebol, quase 100% das vezes, é a conquista de títulos.

No caso de Tite, que já disse que “não é contrato que segura técnico”, há um agravante na questão da estabilidade (ou instabilidade) de seu emprego.

A Copa América (chamada de Campeonato Sul-Americano de 1916 até 1967), que começa no dia 14 de junho e vai até o dia 7 de julho, será no Brasil, depois de um hiato de 30 anos.

Se a cobrança pela vitória da seleção é imensa sempre, ela se potencializa pelo fato de atuar em casa, com presença maciça de torcedores brasileiros nos estádios e atenção grandiosa dos que verão os jogos pela TV.

Para a maioria esmagadora deles (todos, talvez?), faturar o troféu é obrigação, seja do jeito que for, seja contra quem for, jogue-se bem ou jogue-se mal. O que vale é gritar “é campeão!”.

Há, de quebra, um componente que amplia ainda mais a pressão sobre Tite: o Brasil, todas as vezes que sediou a Copa América – quatro, de um total de 45 edições –, sagrou-se campeão.

A primeira foi em 1919, quando, em um jogo de desempate contra o Uruguai, Artur Friedenreich (1892-1969), o primeiro grande craque do futebol nacional, fez o único gol do duelo no estádio das Laranjeiras, no Rio.

A segunda foi em 1922, e o título novamente saiu depois de um jogo extra, de novo nas Laranjeiras, sendo o adversário dessa vez o Paraguai. O Brasil venceu com folga, 3 a 0, gols de Neco e Formiga (2).

Nessas duas conquistas, a seleção não tinha um técnico, e sim uma comissão técnica.

Em 1919, composta por cinco nomes (Arnaldo da Silveira, Amílcar Barbuy, Mário Pollo, Affonso de Castro e Ferreira Vianna Netto), sendo dois deles, Arnaldo e Amílcar, também jogadores do time.

Três anos depois, houve um triunvirato: Amílcar, Vianna Netto e Célio de Barros. O técnico do Paraguai era Fleitas Solich, que nos anos 1950 e 1960 comandaria o Flamengo.

O Brasil também organizou a Copa América em 1949, e o oponente derradeiro voltou a ser o Paraguai, sendo o título decidido novamente em uma partida de desempate, pois as duas equipes fizeram o mesmo número de pontos – os oito participantes jogaram todos contra todos em turno único.

Em São Januário, no Rio, o Brasil comandado por Flávio Costa (o treinador que no ano seguinte amargaria a derrota conhecida como Maracanazo, na Copa do Mundo no Brasil) aplicou uma goleada de 7 a 0, gols de Ademir (3), Jair (2) e Tesourinha (2).

Por fim, na edição de 1989, decidida em um quadrangular final (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), a seleção levantou a taça ao bater o Uruguai, no Maracanã – estádio que abrigará a decisão deste ano – por 1 a 0, gol de Romário.

O técnico era o contestado Sebastião Lazaroni, que em 1990 naufragou com o Brasil, diante da Argentina de Maradona e Caniggia, nas oitavas de final da Copa na Itália.

Copa-Am%C3%A9rica-1989.jpgO time campeão da Copa América de 1989, a última disputada no Brasil, posa antes da decisão contra o Uruguai no Maracanã: em pé, Mazinho, Taffarel, Mauro Galvão, Ricardo Gomes (capitão), Aldair e Branco; agachados, Bebeto, Romário, Silas, Dunga e Valdo (Vidal Cavalcante – 16.jul.1989/Folhapress)

Assim, se a seleção não triunfar agora, Tite passará a ser o único técnico a fracassar em território brasileiro na competição, que poderá, do dia para a noite, tornar-se uma barreira intransponível para a sua permanência no cargo.

No dia do sorteio dos grupos da Copa América, no mês passado, Tite repetiu seu tradicional discurso.

Cobrará da equipe desempenho. O resultado, frisa sempre, ele não pode garantir. Mas acredita que será consequência do nível de futebol apresentado em campo.

“Se eu me obrigar a vencer vou perder a alegria e o prazer de fazer as coisas”, disse ele em entrevista ao programa Grande Círculo, do SporTV, pouco antes do Natal. “O mais importante é desempenho, a equipe jogar o que jogou nas eliminatórias [para a Copa de 2018]. Criar alternativas.”

Concordo.

Quero ver o Brasil jogando um grande futebol na Copa América. Bonito, ofensivo, criativo, com elevado acerto nos passes (acima de 90%), toques rápidos, tabelas e triangulações envolventes, dribles objetivos, frequentes jogadas de linha de fundo e muitas finalizações. Também com marcação por pressão na dosagem certa e sabendo, taticamente, desmontar as retrancas dos adversários – na primeira fase, Bolívia, Venezuela e Peru, os rivais do Brasil, se defenderão com 11 quase 100% do tempo.

Feito isso descrito no parágrafo anterior – e não digo que é fácil fazer, pois não é –, a vitória, geralmente, vem como consequência.

Porém, como o futebol não é uma ciência exata, pode-se fazer tudo certo e, por obra de um Sobrenatural de Almeida (folclórico personagem de Nelson Rodrigues), perder a partida. Acontece, mas é exceção.

O certo é que, com Tite na seleção, tem sido assim (e é assim que tem que ser, por princípio): ou se ganha jogando de forma convincente, de preferência dando espetáculo, ou é preferível não ganhar – mesmo que signifique uma indesejável demissão.

Em tempo: Sobre as finalizações, faço um apontamento relevante: não adianta elas serem abundantes sem haver mira. O Brasil foi eliminado pela Bélgica, nas quartas de final da Copa de 2018, na Rússia (2 a 1), porque abusou da falta de pontaria: dos 26 arremates, 17 (65%) tiveram a direção errada. O goleiro Courtois fez, sim, oito defesas (uma delas dificílima), mas, se mais chutes (ou cabeçadas) tivessem ido no gol, e não para fora, a chance de ele ser vazado mais do que uma vez teria sido muito maior. 

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