Ter jogadores na base virou negócio que rendeu R$ 40 milhões a clubes em 2018

Ter um menor de idade ainda sem contrato profissional e formalizado —com registro em federação—  como jogador do clube pode render milhões de reais no futuro. Em 2018, por exemplo, equipe brasileiras receberam cerca de R$ 40 milhões de repasse por transações internacionais por meio do mecanismo de solidariedade, regra da Fifa criada para ressarcir equipes que formaram atletas. 


O percentual pode chegar a 5% do valor de cada transação. É pago pelo comprador do jogador em todas as negociações dele até o final da carreira aos clubes em que o atleta passou dos 12 aos 23 anos.

Em 2018, R$ 339 milhões foram repassados a times que revelaram atletas em todo mundo, segundo dados da Fifa. Clubes do Brasil ficaram com aproximadamente 10% desse montante.

Em 2017, por exemplo, quando Neymar foi vendido pelo Barcelona (ESP) ao Paris Saint-Germain (FRA), o Santos recebeu R$ 33 milhões. 

De olho nesse valor futuro, clubes fazem questão de formalizar a relação com os atletas antes de acertar o primeiro contrato profissional. Era o caso dos dez jogadores mortos no incêndio no centro de treinamento do Flamengo, na sexta (9). Os atletas a partir de 14 anos dormiam no alojamento do clube. 

O Flamengo é um dos 18 times da Série A que possuem o certificado de clube formador da CBF. A confederação concedeu em 2017 a certificação em 2017. Assim, deu aval ao funcionamento do CT do clube, que não possuía permissão da prefeitura para ter alojamentos no local incendiado, previsto para funcionar como estacionamento.

Ter o certificado de clube formador da CBF é tratado como prioridade entre os clubes brasileiros. O documento dá garantias às equipes na negociação do primeiro contrato profissional com o atleta que já atuava na equipe de maneira amadora. Com ele, o clube tem a prioridade para assinar o primeiro acordo profissional e também renová-lo sem que o atleta possa ir contra isso.

Se uma equipe do exterior conseguir levá-lo sem a concordância do formador, pode ter de pagar uma indenização de até 200 vezes o que foi investido na formação do garoto. 

“A partir do direito de formação estabelecido pela Lei Pelé, os clubes começaram a ter direitos maiores sobre os menores de 16 anos [idade em que é permitido fazer o primeiro contrato profissional]. Os times passaram a estar contratualmente cobertos. Isso virou uma preocupação enorme para eles”, afirma André Sica, advogado especializado em direito esportivo.

O clubes fazem lobby para mudar a legislação e permitir que o vínculo entre agremiação de atleta passe a ser considerado a partir dos 12 anos. Seria um alinhamento com o que determina a Fifa. No Brasil, o vínculo entre clube e atleta só é formalizado a partir dos 14 anos. Apenas com essa idade, o jogador pode dormir em alojamentos das equipes, por exemplo.

"A CBF já registra no passaporte [do atleta, um documento que mostra os clubes pelos quais passou] aos 12 anos. Mas isso não é para o direito brasileiro e sim, internacional. A preocupação com isso das equipes nacionais é enorme", completa Sica. 

“A preocupação que as equipes têm com os jogadores mudou muito nos últimos anos. Muito. Hoje os clubes buscam ter a garantia de que vão conseguir ter um retorno com o atleta”, afirma Júnior Chávare, coordenador das categorias de base do Clube Atlético Tubarão SPE Ltda e que desempenhou as mesmas funções no Grêmio e São Paulo.

“O Flamengo, que foi protagonista dessa tragédia, teve investimentos milionários no CT. O clube que não investir na base está fadado a ter problemas seríssimos”, completa.

O Tubarão é um dos 42 times brasileiros a obterem o certificado de formador, emitido pela CBF sob recomendação das federações estaduais. É documento perseguido por cada vez mais clubes do país porque dá um direito unilateral sobre o jogador na base. Torna quase impossível que o garoto seja “roubado” por equipes do exterior antes de ser profissional ou de chegar ao elenco principal.

Dos 20 clubes que vão disputar a Série A do Campeonato Brasileiro em 2019, apenas Fortaleza e CSA não têm.

“Mas vamos ter. É uma questão de prioridade”, disse Rafael Tenório, presidente da equipe alagoana.

Pela Lei Pelé, os clubes são obrigados a oferecer assistência social, pedagógica, médica e proporcionar o convívio familiar do jogador. 

As contas das agremiações de elite da Europa são que cada jogador pode demandar um gasto de 90 mil euros por ano (R$ 379 mil). Isso poderia fazer a indenização chegar a 18 milhões de euros (R$ 75,8 milhões).

É uma aposta que pode render muito dinheiro. No ano passado, o mercado internacional de atletas movimentou US$ 7 bilhões (R$ 26,1 bilhões) no mundo. Desde que o ITMS, atual sistema eletrônico de transferências, foi implantado pela Fifa em 2010, foram US$ 36 bilhões (R$ 134,2 bilhões).

“A gente se desdobra para oferecer o melhor para os garotos e aposta neles. De vez em quando, dá certo. Toda vez que o Gustavo [atacante atualmente no Corinthians] se transfere de clube, recebemos uma porcentagem como clube formador. Esse dinheiro é muito importante”, afirma Anderson Nóbrega, presidente do Taboão da Serra, que disputa a terceira divisão do paulista.

Ele não cita quanto já recebeu pelo jogador, mas após sair do Taboão, Gustavo se transferiu para o Criciúma e Corinthians, que o emprestou para Goiás, Bahia e Fortaleza.

“As receitas dos clubes de futebol são televisão e venda de jogadores. Todos os clubes brasileiros estão preocupados com isso. Ter cuidado para não perder o garoto e cuidar bem dele, apesar do que aconteceu naquela tragédia no Flamengo, é a prioridade da maioria. Questão de sobrevivência mesmo”, finaliza Chávare.


 

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