Teimoso e supersticioso, técnico busca 4º acesso no Paulista em 7 anos

Márcio Ribeiro, 62, diz a quem quiser ouvir que ainda é um técnico à moda antiga.

"Jogo da mesma maneira de quando iniciei a carreira. Ficar falando em linha alta, linha baixa... Não abro mão do linguajar da bola”, afirma.

Não é incomum ver o treinador do Esporte Clube Água Santa, que disputa as semifinais da Série A2 do Campeonato Paulista (a segunda divisão do Estadual), em longas conversas ao telefone com familiares de jogadores ou passando nos alojamentos do clube para ver se tudo funciona bem.

“Ele é um paizão. Quer toda hora saber da família. Eu e minha esposa nunca fomos tão felizes em um clube”, afirma o experiente zagueiro Luizão, 32, com passagens por Cruzeiro, Vasco e Bahia.

Ribeiro também é um conhecido colecionador de superstições. Os treinos em campo reduzido, por exemplo, só acontecem do mesmo lado. No jogo, se ganhar o cara e coroa, a ordem ao capitão é a de sempre escolher o lado da sorte.

O hotel das concentrações é o mesmo desde os tempos de vacas magras do clube. Ele também não abre mão de usar um inseparável tênis esportivo branco.

“Não gosto de mexer no que dá certo. O tênis já está até descolando, mas quando inventei de usar um azul, perdemos”, conta o treinador.

Natural de Palmeira d’Oeste, cidade de aproximadamente 10.000 habitantes a mais de 600 km de São Paulo, Márcio Ribeiro é mais do que um personagem no futebol.

Ele é a identidade do clube de Diadema —profissionalizado somente em 2013, mas já conhecido por uma ascensão meteórica no futebol paulista— e busca conseguir o quarto acesso em sete anos.

Márcio chegou ao Água Santa após rodar por quase vinte clubes, a maior parte deles do interior de São Paulo. Só por Taubaté, União São João e Barretos foram três passagens. No XV de Piracicaba, mais quatro.

De 2013 a 2015, ele liderou o Água Santa em três acessos consecutivos, da quarta divisão até a elite do futebol de São Paulo, feito inesperado para uma agremiação recém-fundada e até então conhecida na cidade apenas pelos tempos de glória na várzea.

“O meu irmão o conhecia e o indicou. Liguei e combinei de conversarmos pessoalmente uns três dias depois. No dia seguinte, ele apareceu aqui todo descabelado e nos identificamos muito. Ele é difícil, mas sou assim, também. Eu diria que são dois loucos que se encontraram”, conta Paulo Sirqueira, 50, presidente do Água Santa.

Sirqueira e Ribeiro se tratam como irmãos. No desligamento do treinador, em 2016, os dois terminaram o almoço chorando. Após uma ausência de resultados, justamente na sonhada chegada à Série A1, decidiram colocar fim ao trabalho que já durava quase quatro anos.

“A liberdade que tenho com ele não há com outros treinadores. Dividimos muitas coisas, mas quem escala e decide é ele, claro. Às vezes falo para ele ir para aquele lugar, também, mas é pelo calor da conversa. Ele sabe que não é desrespeito”, explica Sirqueira.

Quase dois anos depois do rompimento, o presidente soube que o treinador passava por dificuldades financeiras após trabalhar e não receber por mais de seis meses em outro clube. Márcio foi chamado novamente, dessa vez para ser diretor de futebol.

Após alguns meses, ele voltou ao cargo para salvar a equipe do rebaixamento e reassumir o posto que havia deixado em março de 2016.

“Na teimosia dele tudo dá certo. Quando parecia que não ia, quando estava ameaçado, as coisas aconteciam. Digo toda hora que o pão dele só cai com a manteiga virada para cima”, brinca Sirqueira.
 
Em um dos acessos, o presidente do clube lembra que mandou embora, sem avisar o treinador, um atacante do time por problemas disciplinares. Márcio Ribeiro insistia que precisava de um homem de referência para ganhar as partidas e enfrentava grande rejeição por isso.

No meio do jogo seguinte, ele resolveu o problema: escalou um zagueiro grandalhão no ataque, que fez o gol da classificação.

“Vi em 1999 o Cilinho fazendo isso pelo América-SP [na decisão da Série A2 contra a Ponte Preta]. Ele transformou o [zagueiro] Zambiasi em atacante. Pensei: vou tentar também”, relata.

Neste ano, Ribeiro trabalha para fazer valer, novamente, a fama de rei dos acessos. O Água Santa teve a melhor campanha da primeira fase do estadual, com 31 pontos. Nas quartas, goleou por 5 a 0 o Taubaté, fora de casa.

“Ele sabe ganhar o elenco, sem sombra de dúvidas. Devo muito a ele, que apostou em mim. Os conceitos que usa não são os mais modernos, mas são bons, principalmente o relacionamento. Já trabalhei com caras super atualizados e sem nenhum resultado”, diz o meia Celsinho, 30, principal contratação do Água Santa para esta temporada.

No primeiro jogo da semifinal, o time perdeu por 2 a 0 para o rival Santo André, no estádio Bruno José Daniel. Agora, a equipe precisará de, pelo menos, dois gols de diferença para tentar decidir nos pênaltis e conquistar o acesso.

Embora evite falar publicamente, o clube alimenta a esperança de estar de volta à elite no ano que vem mesmo se não conseguir reverter o placar. Isso se deve à provável oficialização da fusão entre o Red Bull Brasil e o Bragantino. A união dos clubes abrirá uma terceira vaga para os times da A2.

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