'Sou ator, não artista', diz Tonico Pereira, que vive Sócrates no teatro

Na juventude, Tonico Pereira gostava de assistir a julgamentos em sua cidade, Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio. Queria ser advogado criminalista.

A carreira no direito não vingou, mas parte da vivência do ator nos tribunais serviu de costura para "O Julgamento de Sócrates", monólogo que Tonico, 70, estreia em São Paulo neste sábado (21).

O espetáculo é uma adaptação do diretor Ivan Fernandes para "Apologia de Sócrates", obra em que Platão trata da defesa de Sócrates, seu professor, no julgamento que o condenou à morte, acusado de não acreditar nos deuses e de corromper a juventude com seus ensinamentos.

Mas acresce-se à obra milenar assuntos contemporâneos, como a liberdade de expressão nos dias hoje, e questões pessoais do intérprete.

Em cena, acompanhado de poucos objetos, Tonico interpreta Sócrates, defende-se das acusações, e vez ou outra traz personagens da sua história, como o barbeiro que o incentivou a sair de Campos e viver na capital fluminense.

Era uma das figuras mais velhas com quem Tonico costumava conviver. "Eu abandonava os amigos da minha idade para ir tocar seresta com os mais velhos", lembra o ator.

Também lembra dos tribunais que via na juventude. "Eu cito alguns logo no início do espetáculo. Ali eu me localizo como uma pessoa socrática, já que eu não estudei nada, não li também grandes coisas. Então eu me sinto identificado com Sócrates, que nunca escreveu nada também."

A formação, segundo ele, veio da experiência, das observações cotidianas. Dali, Tonico construiu seus 50 anos de carreira, celebrados com a peça, seu primeiro monólogo.

Mas frisa ser ator, nunca artista. "Esse é meu trabalho, o que me sustenta até hoje —e não sei como." Ele, que sempre manteve negócios paralelos ("já fali oito vezes"), hoje ainda toca uma confecção de camisetas e uma oficina para reparar carros antigos.

Já foi, por dois anos, subchefe de prestações de contas da Fundação Ruben Berta, controladora da Varig, de onde foi demitido. "Fui considerado subversivo, mas na verdade eu era um libertário. Minha vingança foi que precisaram de três pessoas para dar conta do meu trabalho."

E por pouco não seguiu uma carreira no futebol: jogava na categoria de base do Goytacaz. Aos 18, saiu de Campos e foi ao Rio fazer um teste para o América. Mas nunca apareceu.

"Tudo o que eu faço tem que ter um nível de prazer muito grande, e jogar me dava muito prazer. Mas não os compromissos com o futebol."

Também corroborou para a desistência, conta, sua "boemia precoce". "Era muita bebida, de preferência cachaça. Na época também era perventin [metanfetamina], dexamil [anfetamina], lança-perfume, quelene [anestésico]. Eu tive uma vida adolescente bastante rica em drogas. Isso aí pode publicar, porque uma coisa que eu não sou é hipócrita."

O prazer pela atuação brotou ainda na infância, quando fez Cristo numa montagem amadora, aos oito anos. Mas foi o encanto dos bastidores que o atirou para a profissão.

Nos idos de 1968, por convite de um parente, entrou nos camarins de um teatro. "Aí que eu troquei de vez o futebol. Eu saí de um vestiário de homens nus para ir para um camarim onde as mulheres viviam uma vida muito liberal. Era uma outra energia, uma coisa mais refrescante."

É esse prazer que busca nos seus trabalhos. Diz que só nega papéis por dois motivos: cenas de altura ou nados no mar.

E, desde "A Lira do Delírio" (1978), de Walter Lima Jr., filme no qual o ator passou de figurante a personagem (era tudo improvisado), nunca lê um roteiro inteiro. "Eu gosto da minha independência, de não ter plano de voo."

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