Sem Noção - 'Tromboneando', por François de Lima

 

O Música em Letras convidou François de Lima, compositor, arranjador, professor e primeiro trombone da Banda Mantiqueira, para participar da série Sem Noção (veja posts anteriores), que realiza audições às cegas de discos recém-lançados no mercado brasileiro.

O CD “Tromboneando”, do trombonista Serginho Trombone, foi o escolhido para a audição realizada no Estúdio do Silvinho, no bairro do Sumaré, em São Paulo, onde a Mantiqueira ensaia. Toda primeira sexta-feira do mês, o estúdio promove, gratuitamente, uma roda de choro. Mestres do gênero, como Isaías do Bandolim, além de outros músicos talentosos que sempre o acompanham costumam aparecer (veja endereço no final no texto).

“Tromboneando” teve produção do guitarrista e compositor Roberto Frejat; foi gravado por Renato Muñoz, com gravações adicionais feitas no estúdio Dubrou por Rodrigo Lopes e Frejat. Tema e solos de sax alto e trombone da música “Caule de Coqueiro”, primeira faixa do CD, foram gravados no estúdio Plaza, por Rodrigo Ramalho. Luiz Carlos Pissurno (Grão) foi o assistente de produção, enquanto a masterização ficou por conta de Alexandre Rabaço, no Aura Mix&Master. A produção executiva foi realizada por Frejat e Erika Breno. A ilustração da capa é de Sérgio Ramos, do Atelier do Arquiteto. O material gráfico teve criação de Beatriz Marques, da Jd2 Digital, com foto de Renato Muñoz. A assessoria de imprensa ficou sob a batuta da maestrina Gilda Mattoso e seus fiéis companheiros de trabalho, Nelson Ricardo Ribeiro Sanches e Marcus Vinicius.

Conheça, a seguir, mais sobre os 48 anos de carreira de François de Lima e a avaliação do músico sobre o novo CD de Serginho Trombone.

FRANÇOIS DE LIMA

Reconhecido como um dos mais importantes trombonistas brasileiros, José Francisco de Lima, o François de Lima, 61, nasceu em São Caetano do Sul, em São Paulo. Começou ainda jovem, aos 10 anos, a ter contato com a música, e considera que aos 13 anos teve início seu casamento definitivo com ela. Mas de que modo um artista versátil como François mais se realiza? Arranjando, ensinando, compondo ou tocando? “Não tenho muita veia para arranjos e nem muita oportunidade, mas escrevo alguma coisa e também componho, além de ser instrumentista. Para dar aula, embora eu faça muito workshop, não tenho muita paixão, porque meu lance mesmo é tocar. Não que eu não queira ou não goste, mas acho que não tenho muita didática para isso como, por exemplo, o maior professor de trombone do Brasil, o Valdir Trombone, disse o músico sobre seu companheiro, Valdir Ferreira, que integra a Banda Mantiqueira desde a sua formação e é professor de trombone na Fundação das Artes de São Caetano do Sul.

Muito requisitado, François já atacou e gravou com inúmeros artistas, entre eles Djavan, João Bosco, Jorge Ben Jor, Ney Matogrosso, Gal Costa, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Hermeto Pascoal, George Benson e Paulo Moura (1932-2010). Segundo o trombonista, suas influências passam por sons de mestres como J. J. Johnson (1924-2001), Curtis Fuller, Frank Rossolino (1926-1978), Raul de Souza, e, pasmem, Serginho Trombone, autor de “Tromboneando”.

Em 48 anos de carreira, François tem apenas um disco, “Suingue Brasileiro”, lançado em abril deste ano em Los Angeles e em St. Pete, como a cidade do estado da Flórida, Saint Peter é conhecida por seus habitantes. No Brasil, o lançamento está previsto para 2019. A repercussão do lançamento nos Estados Unidos? “Foi ótima, excelente. Fiz shows em dois teatros maravilhosos, com públicos também maravilhosos. Tenho uma amiga, Vera Ludmila, produtora brasileira que mora em Los Angeles há muito tempo. Quando comentei com ela que iria dar aulas de música brasileira e dirigir um ‘ensemble’ de big band de gafieira, em São Francisco, ela me convidou para lançar o disco em Los Angeles”, contou o artista.

Leia, a seguir, as impressões e avaliações sobre o disco “Tromboneando”, de Serginho Trombone, feitas por François de Lima com exclusividade para o Música em Letras.

François de Lima, durante a audição para a série Sem Noção do Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

 

O CD “TROMBONEANDO” POR FRANÇOIS DE LIMA

FAIXA 1 “Caule do Coqueiro”, de Serginho Trombone

“Meu grande amigo e uma das minhas referências musicais, Serginho Trombone! Tenho uma dívida de gratidão com o Serginho, que conheci em 1982. Em 1983, ele e o Lincoln Olivetti [1954-2015] me chamaram para participar de um naipe com eles, gravando no Rio de Janeiro. É muito bom ouvi-lo agora, e saber que ele está gravando, criando, tocando e compondo o que a música instrumental brasileira precisa. Essa faixa me fez lembrar dos arranjadores cariocas, principalmente da época em que eu estive com eles. Lembrei também de um disco do Robson Jorge e Lincoln Olivetti [LP de 1982], que em minha opinião foi um marco em concepção de arranjo mais funkeado e que o Serginho solava em várias faixas. Não tenho certeza se os arranjos de sopro são dele, mas com certeza tem essa linguagem e foi isso o que eu ouvi nessa primeira faixa. O Serginho Trombone domina muito bem essa onda funk suingado, com uso de eletrônico, porque é também pianista e tecladista. Se não me engano, nessa música ele está acompanhado por um saxofonista na linha de melodia. O solo do Serginho é muito gostoso de ouvir. Assim como o solo, o arranjo é muito criativo. Quando ele volta na melodia do tema, ele escreve um arranjo para naipe diferente, sempre. Além de um grande músico, nessa faixa fica claro que o Serginho é muito criativo. Curti muito.”

FAIXA 2 “Alçapão”, de Serginho Trombone

“Muito bom! Ouvindo essa faixa a gente chega à conclusão – e mais uma vez confirma – a versatilidade do músico brasileiro. É uma música com um ritmo latino que mostra isso na composição, no arranjo. Eu gostei muito da faixa porque, na maioria das vezes, quando se trata de músicas com ritmos latinos, a harmonia é bem intuitiva, mas em alguns momentos o Serginho colocou um colorido diferente na harmonia e acrescentou um trompete no naipe. Esse é o som, cara! Poucos músicos conseguem ter essa versatilidade de tocar bem vários ritmos e gêneros como o músico brasileiro.”

FAIXA 3 “Escola Real”, de Serginho Trombone

“Nessa música, mais uma vez, o Serginho mostra a musicalidade dele ao compor. A primeira parte da melodia tem um samba funk, com um naipe de instrumentos no acompanhamento mais enxuto, com violão, batera, baixo, mas depois ele entra com uma escola de samba, com percussão, e aí já fazendo samba mesmo, bem carioca. Ficou muito bonita essa concepção. Sempre que toquei com músicos cariocas, aprendi muito. Caras como o Serginho, Márcio Montarroyos [1948-2007], Léo Gandelman e o Paulinho Trompete têm essa pegada bem malandra para tocar. Nessa faixa, Serginho faz uns efeitos na improvisação do tema, típicos de instrumentos de pisto – trompete, trombone e eufônio – , que além de ficar muito bonito é muito bom de ouvir, sem falar do fraseado dele que é muito bonito também. Gostei muito porque confirma o que disse, o Serginho toca bem qualquer gênero.”

FAIXA 4 “Primavera”, de Genival Cassiano e Silvio Rochael

“Que bonita homenagem para o Tim Maia [1942-1998]! Ele fez toda a primeira parte mais ou menos fiel à melodia e criou uma terceira parte, onde foi valorizado muito o naipe de cordas. Sabidamente os instrumentistas de cordas, violinos, violas e violoncelos, são músicos eruditos. Nessa faixa, o Serginho botou os músicos  para tocar a levada de suingue dele,  trazendo-os para a música popular. Quando eu o encontrar, vou até perguntar sobre esse som, que é muito interessante. Será que ele solou e depois passou para as cordas, ou será que ele já escreveu o arranjo para trombone e cordas? O resultado é uma coisa interessantíssima.”

FAIXA 5 “Tromboneando”, de Serginho Trombone

“Nesse tema, ele acrescentou um barítono [sax] e me fez lembrar da banda Tower of Power [banda de soul formada nos anos 1960, na Califórnia], usando um instrumento eletrônico, um clavinete, que dá um lance muito interessante com relação ao suingue. O legal é que na levada do funk que ele vinha fazendo eu esperava um solo de sintetizador, mas ele colocou um solo de piano. É sacada do Serginho, que é muito caprichoso também com o tema, colocando muitas convenções em que ele usa o naipe de sopro e o baixo, conseguindo um efeito único. Mais uma prova da criatividade infinita dele.”

FAIXA 6 “Good Trip”, de Serginho Trombone

“Pois é, o Serginho sempre surpreendendo. Mais uma vez, uma onda funk em que ele toca com muita propriedade. Fiquei bem surpreso por ele ter colocado um solo de violão, muito criativo e interessante. A música do Serginho e a concepção de arranjo dele não deixa espaço. Ao ouvi-lo, você nunca vai pensar: ‘Ah, aqui eu colocaria isso ou aquilo’. Na música dele nunca pinta aquela sensação de vazio. É completa, não falta nada.”

FAIXA 7 “Pérola”, de Serginho Trombone

“Que maravilha! A harmonia me lembrou o Bill Evans [pianista de jazz, norte-americano (1929-1980)]. Ela [harmonia] anda de maneira muito interessante, acompanhando o tema. E dentro disso, com uma formação mais jazzística, com baixo de pau, batera e piano, o Serginho explora muito bem o suingue usando a linguagem do trombone de válvula. Nessa faixa, dá perceber como ele caminha com facilidade e liberdade dentro da música, incluindo o jazz que aqui se ouve muito bem.”

FAIXA 8 “Serra do Mendanha”, de Serginho Trombone

“É muito bom e muito fácil falar da música do Serginho. Esse tema tem uma pegada na levada rítmica, com uma leve lembrança de música nordestina. Uma coisa bem moderna e leve de harmonia, com o Serginho preenchendo a música com um bonito arranjo de sopro e solos, usando bem o staccato [tipo de articulação e fraseio com notas curtas executadas com espaços entre elas] característico do trombone de válvula. Mais uma vez, ele fez um gol.”

FAIXA 9 “O Caminho do Bem”, de Serginho Trombone, Paulinho Guitarra e Beto Cajueiro

“Pois é, o Serginho nos presenteia com um belíssimo disco, belíssimo som. Esse tema me fez lembrar as grandes bandas da década de 1980. Tem uma primeira parte, depois da letra, que lembra novamente o grupo Tower of Power, com o som do clavinete e do sax barítono na formação. Na exposição do tema, o naipe aparece com perguntas e respostas dos graves com trompete e sax alto. Muito interessante também. A segunda parte, com sax e trompete, me lembrou bastante a Blood, Sweat & Tears [banda norte-americana formada em Nova York, em 1967, que misturava variados estilos do rock, pop, R&B, soul music e jazz]. Aqui fica claro como o Serginho viaja com  musicalidade, criatividade e talento por gêneros distintos.”

AVALIAÇÃO PONTUAL

INTÉRPRETE

“Ótimo”

COMPOSIÇÕES

“Ótimas.”

HARMONIAS

“Ótimas.”

RITMOS

“Ótimos.”

MELODIAS

“Ótimas.”

ARRANJOS

“Ótimos”

SOM (CAPTAÇÃO, MIXAGEM E MASTERIZAÇÃO)

“Ótimo.”

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O trombonista François de Lima identificou de imediato, ao ouvir a primeira faixa do disco, o conceituado instrumentista, arranjador e compositor Serginho Trombone, embora não conhecesse o disco.

Após a audição às cegas, foi revelado a François de Lima as autorias das músicas, assim como todas as outras informações sobre o CD, seus participantes, ficha técnica, capa e encarte.

“Parabéns Serginho! Grande trabalho que ficará de referência para nós músicos ouvirmos sempre. Esse é um disco que dá para ouvir e perceber, por meio de gêneros diferentes, que o Serginho explora com propriedade ritmos, harmonias, criatividade e elaboração de arranjos, referendando que é um grande músico.”

Perguntado se há lugar no mercado para esse disco, François respondeu: “Olha, isso é difícil de responder, porque a música instrumental brasileira, ou melhor, a música brasileira tem sofrido um desgaste enorme nos últimos anos porque a mídia não investe e não divulga a música de qualidade. Sem querer ser saudosista, quando ligávamos a televisão, nos anos 1970, estavam lá Milton Nascimento, Chico Buarque, João Bosco, Gonzaguinha [1945-1991]. Na programação das rádios era o que se ouvia, ou seja, músicas com poesias nas letras, além de belas harmonias, melodias e ritmos. Hoje, a música brasileira sofre da falta de talento. Embora tenhamos caras como o Lenine, e o Zeca Baleiro, por exemplo, eles não têm participação na mídia como os caras que citei antes. E a música instrumental também  sofre muito com o problema da divulgação. Na Europa e nos Estados Unidos, um CD como esse do Serginho teria uma penetração muito maior, por conta de maior divulgação, o que não temos aqui. No entanto, quem gosta de música de qualidade e souber que o Serginho Trombone gravou um disco vai com certeza procurar adquirir esse CD. Eu recomendo esse disco.”

François de Lima gostou da escolha do disco “Tromboneando” para ser por ele avaliado? “Cara, foi como colocar a bola na marca do pênalti, sem goleiro, e chutar para o gol. Foi um prazer enorme ouvir a música desse artista que tanto admiro. Valeu demais, adorei.”

AVALIAÇÃO DO CD “TROMBONEANDO”, DE SERGINHO TROMBONE POR FRANÇOIS DE LIMA

“Ótimo”

DSC04092.jpgCapa do CD “Tromboneando”, de Serginho Trombone (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

CD “TROMBONEANDO”
ARTISTA Serginho Trombone
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 30 em média

 

RODA DE CHORO NO ESTÚDIO DO SILVINHO

ONDE Rua Capital Federal, 186, Sumaré, São Paulo, tel. (11) 998274255

QUANDO Toda primeira sexta-feira do mês, às 19h.

QUANTO Gratuito

 

 

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