Ruim está o Brasil, não a seleção
Já dizia Nelson Rodrigues, talvez o maior escafandrista da alma brasileira, que a seleção brasileira de futebol “é a pátria em calções e chuteiras, a dar rútilas botinadas, em todas as direções”. E acrescentava: “O escrete representa os nossos defeitos e as nossas virtudes".
Se é verdade —e cada leitor que decida se é ou não—, o escrete de Tite está sendo injustamente responsabilizado pela avassaladora sensação de que o brasileiro só tem defeitos. Ou, posto de outra forma, a culpa pela descrença na seleção não é dos cabelos e das quedas do Neymar, da maneira de jogar do time, mas do duo Dilma/Temer.
A primeira jogou o país na recessão mais profunda de sua história e, por extensão, provocou uma onda inédita de pânico/desalento. O segundo tornou-se o primeiro presidente da história da República sob investigação criminal por corrupção —o que acentuou o já antigo preconceito que diz que “todo político é ladrão".
É preconceito, repito, mas tente dizer isso para a turma e será no mínimo vaiado, se escapar com vida.
Eu sou parte de uma geração que, ao menos no futebol, tinha complexo de Rottweiler, em vez de complexo de vira-lata (outra descoberta de Nelson Rodrigues). Explico: desde a Copa de 1958, aquela de Pelé e Garrincha, entre outros demônios, achava que a seleção brasileira estraçalharia qualquer adversário que cruzasse seu caminho.
A Copa de 1970 e aqueles 4 a 1 na final contra a Itália consolidaram meu complexo.
Fomos decaindo depois, é verdade, mas continuei achando que a seleção brasileira continuava sendo um cão de raça, menos feroz, talvez, menos insuperável certamente, mas de raça.
Nem os 7 a 1 desmancharam essa convicção, embora admita que, naquele jogo específico, a seleção foi um vira-lata.
Mas achava que o resultado foi o que os economistas chamam de “cisne negro", um acontecimento surpreendente que ocorre em circunstâncias inopinadas e raramente se repete. Estou seguro de que, nos próximos 100 jogos entre Brasil e Alemanha, jamais se repetirá aquele 7 a 1 (a propósito, o Brasil tem 13 vitórias em jogos contra a Alemanha, contra apenas 5 dos alemães).
Por isso, me chocou verificar o alívio de boa parte dos brasileiros com a eliminação da Alemanha. Deu a impressão de que o brasileiro médio temia que, se a seleção cruzasse de novo com a Alemanha, seria de novo massacrado —hipótese do mais absoluto nonsense.
Antes, já havia me chocado constatar o medo com que parte da crônica esportiva e da torcida encarava o jogo com a Costa Rica, como se esta fosse uma Alemanha caribenha e morena. Meu Deus, temer até a Costa Rica é ter chegado ao fundo do poço no complexo de vira-lata.
Repetiu-se o medo na véspera do jogo contra a Sérvia, que é melhorzinha mas tinha no máximo 1% de chances de ganhar ou empatar com o Brasil.
Aí é que volto a Nelson Rodrigues e à teoria de que “o escrete representa os nossos defeitos e as nossas virtudes". Como, no momento, o brasileiro acha que nossos defeitos superam por 7 a 1 as nossas virtudes, passa a ser natural desconfiar da seleção.
Bobagem. A seleção do momento é melhor, bem melhor, que o Brasil do momento. Não chega a ser a maravilha que foi a de 1970, mas que seleção jogou até agora muito mais do que a brasileira? Talvez a Bélgica, o que nos oferece uma magnífica chance de tirarmos todas as dúvidas, já no dia 6, quando o Brasil enfrenta os belgas (a menos que surja outro “cisne negro” na partida contra o México ou no jogo Bélgica x Japão).