Quem se comunica não se trumbica

Todas as manhãs, menos nos fins de semana, recebo do jornal mexicano Milenio um vídeo com o que a publicação chama de “las mañaneras de AMLO", as entrevistas coletivas matinais de Andrés Manuel López Obrador, o presidente.

Ele fala, a partir do indigesto horário das 7h da manhã, de segunda a sexta-feira, em um saudável exercício de prestação de contas. As entrevistas são acompanhadas por todos os meios de comunicação devidamente credenciados, críticos (a maioria) ou apoiadores do presidente.

O El País, da Espanha, diz que o evento reúne “doses iguais de comício, espetáculo e tribuna, a partir da qual agita seus simpatizantes e fustiga seus adversários".

É o exato oposto de seu colega brasileiro Jair Bolsonaro, que prefere falar apenas para as redes sociais, ou seja, para seus seguidores.

O interessante é que prestar contas diariamente nem desvia a atenção de AMLO dos deveres do cargo nem prejudica a sua popularidade. Ao completar 100 dias de governo (assumiu exatamente um mês antes de Bolsonaro), López Obrador tinha a aprovação de 80% dos mexicanos, conforme pesquisa publicada pelo jornal El Universal. Uma semana antes, pesquisa de El Financiero dava idêntico resultado.

Já Bolsonaro, quando estava prestes a completar dois meses no poder, em fevereiro, era avaliado positivamente por apenas 57,5% dos pesquisados, conforme dados divulgados pela Confederação Nacional do Transporte.

Ao fazer um balanço de seus primeiros 100 dias, AMLO gabou-se de ter conseguido aprovar no Congresso três reformas constitucionais, incluindo a que estabelece regras contra a corrupção. Uma delas permite imediato sequestro de ativos adquiridos por meio da corrupção e da violência. Outra classifica corrupção como um crime sério e uma terceira retira a possibilidade de fiança para acusados de corrupção, fraude eleitoral e outros crimes.

É outra diferença importante em relação a Bolsonaro, que, com um mês menos que AMLO, conseguiu de fato enviar emendas constitucionais relevantes ao Congresso (a reforma da Previdência e o Pacote Moro), mas nenhuma das duas nem sequer começou a tramitar.

É óbvio que é cedo demais para julgar as administrações Bolsonaro e AMLO ou para compará-las. Mas é importante enfatizar esse aspecto da comunicação presidencial que, nos tempos modernos, é parte essencial da gestão. Ah, López Obrador nunca precisou de um general a seu lado para explicar que ele não disse o que disse ou não queria dizer o que disse.

Outra emenda constitucional importante já aprovada no México é a que determina a criação de uma Guarda Nacional, a maneira que AMLO encontrou para tentar contornar a promiscuidade entre as forças policiais tradicionais e o crime organizado.

Se der certo, AMLO estará consagrado, porque a violência é a grande ferida aberta e purulenta na sociedade mexicana. Por enquanto, ele próprio admitiu, no balanço dos 100 dias, que só conseguiu conter o aumento da criminalidade, mas não reduzi-la.

Foi leniente com ele próprio: Carlos Bravo Regidor (Centro de Pesquisa e Docência Econômica) disse à Americas Quarterly que, em janeiro, segundo mês de López Obrador na Presidência, foi batido o recorde, para o mês, no número de assassinatos e aumentou a taxa de homicídios em 17 dos 32 estados.

Resumo: falar ao público faz bem à saúde política do presidente, mas resolver os problemas vai obviamente muito além disso.

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