Que destino queremos para a matemática no Brasil?
Em 15 de março, participei no “Dia da matemática para o desenvolvimento”, realizado por diversas instituições científicas francesas na sede da Unesco, em Paris. O evento visou realçar o papel da matemática e da ciência em geral como motores de desenvolvimento e de geração de riqueza e contou com a participação de cientistas e educadores de todos os continentes.
O Brasil teve papel de destaque, como um exemplo de sucesso cuja trajetória histórica encerra importantes ensinamentos para outros países. Na minha palestra, intitulada “Matemática no Brasil: dos anos 1950 aos anos 2020”, fiz uma explanação das circunstâncias e fatores que conduziram o país à posição que hoje ocupa no cenário internacional.
Nas últimas três décadas, a produção científica do Brasil em matemática passou de 0,79% a 2,34% do total mundial, e o número de estudantes matriculados em programas de doutorado cresceu de 677 para 1.395. Isso também se refletiu num número crescente de pesquisadores brasileiros proferindo palestras no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM): em 2018 foram 13.
Esse progresso conduziu às grandes conquistas alcançadas recentemente: a medalha Fields do pesquisador Artur Avila, em 2014, a realização do ICM 2018 e da Olimpíada Internacional de Matemática 2017 no Rio de Janeiro e a promoção do Brasil ao grupo de elite da União Matemática Internacional.
A principal pergunta dos presentes era: “Qual foi o segredo?”. Não há dúvida de que o maior deles foi a opção de grandes matemáticos (que um colega chamou de “gigantes”), como J.Palis, M. do Carmo, M. Peixoto, E. Lima, D. de Figueiredo, L.Nachbin e outros, de abrir mão de ótimas oportunidades no exterior para regressarem e fazerem nossa matemática acontecer.
Os desafios de hoje não são menores: consolidar o progresso alcançado, garantir que a excelência da pesquisa se traduza em melhora da educação, disseminar a cultura matemática na nossa sociedade, facilitar o acesso de todos ao conhecimento que vai dominar o século 21. Enquanto os pioneiros voltaram para um país que tinha pouco mas prometia muito, a realidade agora é outra.
As sucessivas reduções do financiamento da ciência e a concomitante fragilidade das instituições de fomento vêm tornando a carreira científica no Brasil cada vez menos atraente para nossos jovens. Na matemática, o efeito ainda é limitado, mas já é real: alguns de nossos melhores cérebros estão jogando a toalha e partindo para construir suas vidas em outros países.
É indispensável e urgente recompor o financiamento da ciência sob pena de vermos ruir perante os nossos olhos o trabalho de gerações. Na semana em que o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia foi cortado em 42% (!!), e o da Educação teve a maior redução bruta da Esplanada (R$ 5,83 bi), haja ânimo para manter o otimismo...