Professora de SP candidata a melhor do mundo quer aplicar US$ 1 mi em escolas

"Ela merece ser considerada a melhor professora do mundo porque fez a gente da favela acreditar que podia fazer as coisas. Ela colocou desafios na nossa frente e nos fez entender que era possível vencê-los. Na favela não tem tecnologia, e ela diz pra gente que é possível ter. Ela ensina que do lixo, da sucata, dá para achar solução para melhorar a vida de todo o mundo."

Assim Jaine Leticia da Silva Rufino, 13, define sua professora de robótica, Débora Garofalo, 39, que está entre as dez finalistas da disputa pelo título de melhor professora do mundo. 

Jaine é negra, tem olhar firme e compenetrado e mostra ter muita convicção do impacto dos ensinamentos de Débora para si e para a comunidade onde mora, a favela Alba, zona sul de SP, vizinha à Escola Municipal Almirante Ary Parreiras, no Jardim Babilônia.

E é justamente provocando reflexões a respeito dos problemas cotidianos que ocorrem nas casas de seus alunos, em suas comunidades, que a professora inicia suas aulas. 

Juntos, em um intervalo de pouco mais de uma hora, discutiram os riscos das ligações clandestinas de eletricidade, os alagamentos e a falta de algo que iniba a velocidade dos carros em determinada rua das redondezas do colégio.

"Agora que já discutimos os problemas, vamos formar dois grupos, montar o projeto no computador e, com a sucata e o que há aqui no laboratório, desenvolver um sinal de trânsito e uma casa com sistema de luzes inteligente", diz Débora. E eles criaram protótipos como se tivessem feito um barquinho de papel.

"Minha vontade é conseguir mudar para melhor a vida de cada um deles. No começo do projeto, eles chegam desacreditados, acham que não são capazes de nada e só relatam casos de morte, de baixa autoestima. Com o passar do tempo, sinto neles um orgulho por conseguirem fazer algo tecnológico, útil", afirma a professora, que leciona há 20 anos, sendo 14 deles na rede pública de ensino.

De origem, Débora é professora de alfabetização e de língua portuguesa. Faz mestrado em educação, mas é encantada por tecnologia desde que trabalhou, simultaneamente ao magistério, em uma indústria de fabricação de componentes eletrônicos.

 

"A partir de 2015, comecei a trabalhar como professora de tecnologias, mas minha formação em pedagogia foi fundamental para conseguir estabelecer diálogo com os alunos, para saber ouvi-los e entendê-los."

Como a reclamação a respeito do lixo era frequente nas aulas, Débora saiu com as turmas para discutirem o que fazer em suas comunidades, todas muito pobres e marginalizadas: Jardim Vietnã, Beira Rio 1 e 2 e Alba. 

Voltaram para a sala de aula com uma coleção de inquietações e com sucata, material reciclável e vontade de aprender o que fazer com tudo aquilo.

"Tenho altas expectativas sobre todos os meus alunos. Não rebaixo nenhum deles. Todo o mundo é capaz de aprender. No nosso caso, em que os alunos têm famílias muito desestruturadas, também é nosso papel dar carinho, dar amor e orientação para a vida."

Ela para a entrevista e vai até uma gaveta, de onde retira um protótipo de um helicóptero feito com palitos de sorvete, resto de um frasco de desodorante e fios. Ele se movimenta e tem hélices que rodam. "Isso aqui foi feito por um garoto que era considerado o pior da escola, o mais problemático. Ele se transformou quando soube que podia fazer algo assim. Hoje é muito aplicado em tudo."

Mas, antes de estar em entre as "estrelas" da educação mundial, Débora também sofreu as agruras da profissão.

Certa vez, um garoto entrou na sala de aula de supetão, chutando a porta e uma carteira escolar que voou para cima da professora. O objeto fez um corte profundo em sua perna. "Achei que tivesse tomado um tiro. Fiquei dois meses afastada, mas me recuperei. Foi um momento difícil, mas tirei uma lição: não basta cuidar só da sala de aula, é preciso olhar para todo o entorno da escola."

A respeito de temas em voga na atualidade como escola sem partido, ideologização das aulas, a professora é enfática: "Desviar recurso que poderia estruturar uma melhor a educação do país para controlar professor me parece um absurdo. O meu papel é formar os meninos de forma crítica e reflexiva para atuar em sociedade. Precisamos nos preocupar é com efetivar a qualidade do ensino."

Débora trabalha quase 12 horas por dia, de segunda a sexta-feira e, enquanto dá aulas, parece causar um certo encantamento nas turmas.

"Tive uma professora que comparava o ofício do professor ao de um médico. Dizia ela que se o médico errar, ele pode matar uma pessoa na hora. Se o professor errar, ele pode matar uma pessoa aos poucos."

Caso seja escolhida a "melhor professora do mundo", Débora vai ganhar US$ 1 milhão, o equivalente a 73 anos de seu trabalho sem gastar um centavo, considerando seu salário atual. 

O prêmio é o Global Teacher Prize, que será entregue em 24 de março nos Emirados Árabes Unidos. Ele é concedido pela Fundação Varkey e tem como patrono o emir de Dubai, xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum.

"Vai ser muito difícil ganhar, mas se acontecer, não vou ficar com o dinheiro pra mim. Esse dinheiro é da educação. Vou aplicar tudo na construção de laboratórios digitais em escolas públicas pelo país. Seria um sonho realizado. Se o prêmio não vier, fica a lição de que existe um caminho a seguir com o ensino de programação e robótica."

Débora tem tatuado no punho esquerdo o símbolo do infinito com três corações. Eles representam Giovanne Garofalo, 45, o marido, que é engenheiro mecânico, a filha Giovanna, 10, e seus alunos.

A professora já ganhou diversos prêmios pela qualidade de suas aulas, entre os quais o de professora destaque da rede municipal de ensino de São Paulo, concedido pela Prefeitura de São Paulo.

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