Problemas de comunicação são triviais perto dos riscos reais de cobrir a crise na Venezuela

Meus editores ficaram superpreocupados comigo porque fiquei três horas desconectada, durante um dia desta semana, enquanto cobria, em Caracas, a crise na Venezuela. 

E com razão. Hoje em dia, é inimaginável que um jornalista largue seu celular, seu tablet ou seu computador durante três horas. Expresso minha gratidão pela preocupação e peço desculpas por não ter entrado em contato. 

Porém, o cotidiano de quem vem cobrir os acontecimentos neste país nos últimos tempos é assim. E a situação vem piorando. 

Até um ano atrás, não era difícil comprar um chip local pré-pago. Hoje, é complicado comprar qualquer coisa, por causa da falta de dinheiro vivo e da atividade comercial, em geral, colapsada. Isso sem entrar na questão da falta de alimentos e medicamentos, o fator mais grave da crise.

O problema não estaria resolvido mesmo se eu tivesse um chip ou roaming internacional. Em dias de grande tensão e protestos, o serviço telefônico cai ou fica lento demais, a ponto de você ter de esperar muito apenas para conseguir abrir o seu e-mail. 

Também é comum que as redes sociais fiquem totalmente inacessíveis, como ocorreu na terça (30). O objetivo disso é evitar o estímulo a manifestações antigoverno e o compartilhamento de fotos.

Mas a comunicação é algo trivial perto dos riscos reais, físicos.

As concentrações de apoio ao líder oposicionista Juan Guaidó têm aspecto familiar desde o início —as pessoas participam em família, em casal e em grupos de adolescentes. E todos parecem estar protegidos pela multidão, até aparecer a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) atirando gás lacrimogêneo, balas de borracha e, eventualmente, balas de verdade. 

Esta repórter anda de moto, com uma condutora, desde que, em 2017 —quando cobri as eleições da Assembleia Constituinte— as chamadas “guarimbas” (barricadas improvisadas com sacos plásticos, arame farpado e lixo incendiado) impediam a passagem de carros. 

A moto passou a ser o melhor meio de transporte, até para fugir rapidamente quando chega a repressão. Também há cada vez menos táxis na cidade.

Mesmo assim, é difícil locomover-se quando Caracas está muito convulsionada, caso da manifestação do último dia 1º. Ao tentar deixar a região de Altamira, esbarramos em várias barreiras e vimos se aproximar a fila dos motoqueiros da GNB, sempre seguidos dos coletivos (milícias pró-governo). 

Numa manobra para sair da confusão, entramos em uma fumaça espessa que havia saído de uma bomba de gás lacrimogêneo. Olhos e rosto ardendo, garganta tomada pelo gosto de água de esgoto.

Ainda assim, tive sorte. No mesmo local, e aproximadamente na mesma hora, três colegas jornalistas venezuelanos foram feridos. Um deles ainda está em estado grave na clínica El Ávila, com um ferimento na testa provocado por uma bala de borracha. Os outros dois, já liberados, tiveram braços e estômago atingidos. 

O estampido de uma bala de verdade, perto de nós, se mostrou ter sido do tiro que matou uma manifestante de 27 anos.

Outra dificuldade é a de encontrar fontes confiáveis de informação. A TV não mostra manifestações antigoverno, muito menos repressão ou prisão de opositores. O armagedom pode estar ocorrendo do lado de fora da sua janela, mas dentro do quarto você assistirá apenas a desenhos animados, filmes enlatados dublados ou noticiários oficiais. 

O jeito é se informar pelas redes de WhatsApp de jornalistas locais. Mas, mesmo estas, formadas por profissionais da comunicação, não estão livres de fake news. Basta alguém escrever “ouvi dizer que prenderam o [opositor] Leopoldo López” ou “uma fonte diz que Maduro renunciou”, para logo se espalhar a paranoia e as mensagens tratando aquilo como notícia certa. 

É preciso, mais do que o normal, checar e rechecar toda vírgula. 

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