Presidente do TJ-MG prestou favores a ex-governador Pimentel, diz Polícia Federal

A Polícia Federal suspeita que o desembargador Nelson Missias de Morais, atual presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), prestou favores na corte ao ex-governador Fernando Pimentel (PT-MG) e seus aliados políticos. 

Uma investigação iniciada em 2015, cujo foco são supostas irregularidades envolvendo magistrados do segundo maior tribunal de Justiça do país, indica que Missias atendeu a interesses da cúpula do estado em troca da nomeação, em 2015, da então advogada Alice Birchal, à qual seria ligado, para cargo de desembargadora.

Interceptações telefônicas,  cujas transcrições foram obtidas pela Folha, mostram que os políticos e autoridades próximas ao então governador procuravam o desembargador para encaminhar pleitos. 

A PF atribui a Missias as práticas de corrupção, tráfico de influência e exploração de prestígio, mas, em parecer sobre o caso, emitido em 2017, a PGR (Procuradoria-Geral da República) discordou, alegando que as hipóteses são, no máximo, de crimes de menor potencial ofensivo, como advocacia administrativa. 

A Folha não conseguiu apurar se houve decisão a esse respeito. Segundo pessoa com acesso ao caso, ouvida pela reportagem em abril, o inquérito tramita em sigilo no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Segundo a PF, Missias prometeu interferir em processo que tratava do uso, pelo governo de Minas, de recursos de depósitos judiciais para bancar, em meio à crise, despesas como a folha dos servidores.

O estado havia tido acesso a uma primeira parcela dos recursos, de R$ 2 bilhões, mas a transferência de outros R$ 4 bilhões estava sendo discutida por meio de um processo no TJ mineiro. 

O Banco Central havia apresentado petição para ser habilitado nos autos, o que poderia levar o caso para a Justiça Federal. Isso não era do interesse do governo mineiro (com maior influência era sobre a corte local), que tentava evitar a apreciação do pedido por um juiz de primeira instância.

"O receio é ele despachar isso hoje. Se ele puder não despachar... tem como você ver, tentar falar com ele [o juiz]?”, perguntou a Missias, na tarde de 26 de outubro de 2015, o então subsecretário de Relações Institucionais da Casa Civil, Rômulo Ferraz, que ouviu como resposta: "Tento".

Mais adiante, os dois voltam a conversar e o desembargador deixa claro que levou a demanda ao colega que trataria do caso. "Se for pra Justiça Federal, nós estamos f…”, disse o subsecretário. “Não. Já falei com ele que não pode", reagiu o magistrado. 

Na mesma tarde, o juiz Gilson Soares Lemes despachou abrindo vista para manifestação do Estado sobre o pedido do Banco Central. “Vou até dar uma ligada pro Gilson também, que ele foi fundamental”, disse Ferraz a Missias em outro telefonema, após o despacho. "Mas, às vezes, não é bom falar por telefone, não", alertou o desembargador. 

O repasse foi feito pelo Banco do Brasil em 28 de outubro para uma conta do próprio banco e, no dia seguinte, o Supremo Tribunal Federal suspendeu os processos sobre o assunto em todo o país. “Foi salvo pelo gongo aquilo lá, aquele dia, hein?", disse o desembargador ao representante do governo.

A investigação sugere também que o magistrado atuou em prol de aliados de Pimentel em processo que tratava de supostas irregularidades em contratos para a instalação de câmeras de vigilância em Belo Horizonte, o Projeto Olho Vivo, quando o petista era prefeito.

Em 12 de novembro do mesmo ano, o desembargador se refere a uma suposta interferência favorável ao então chefe da Casa Civil, Marco Antônio Rezende, arrolado nesse caso, perante o juiz da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal, Wauner Batista Ferreira Machado. “Você lembra uma vez que eu segurei um negócio com o Wauner para o Marco Antônio?”, questionou Missias.

Na ocasião da conversa, o desembargador defendia que os réus recebessem notificações da Justiça para que o processo corresse. A investigação não é clara sobre qual teria sido, naquele momento, a eventual interferência nos autos, favorável aos investigados. 

Em gravação posterior, de diálogo com o próprio Wauner, Missias pede que ele encaminhe questão relativa a uma ação ajuizada pelo Ministério Público contra uma ex-secretária. 

“Cuida disso pra nós, isso aí é aquele promotor sacana… que fica sacaneando essa coitada, é uma velhinha, sabe? Pessoa correta, foi secretária”, afirmou. "Xá comigo, tá feito, Nelson”, responde Wauner.

A PF sustenta, com base nas interceptações, que Missias também recebeu do então líder do governo na Assembleia, Durval Angelo (PT-MG), pedido para influir em decisão de desembargadores do TJ-MG. O objetivo seria impedir a abertura de um processo em seu desfavor, movido pelo juiz da Vara de Conflitos Agrários, Otávio Neves. 

O julgamento estava em um a um, faltando apenas o voto do desembargador Eduardo Machado Costa para decidir sobre o prosseguimento da ação. 

Em conversa de 11 de novembro, Missias indaga se não haveria, previamente, a possibilidade de uma audiência de conciliação."Uai, mas você devia falar para alguns lá”, sugeriu o deputado. "Tem que fazer a audiência… vou falar com ele, pra ele [um dos desembargadores] falar isso com o Eduardo, propor isso", retrucou Missias.

A PF afirma que, ao prestar os supostos favores ou se mostrar disposto a fazê-lo, Missias visava à nomeação, por Pimentel, da advogada Alice Birchal, à qual seria ligado. 

Ele próprio telefonou para o então governador em 9 de novembro para fazer lobby pela nomeação. “Meu amigo, olha, botamos em lista [tríplice] aqui a Alice Birchal. É amiga nossa, viu? Pode contar contigo, né?", perguntou o desembargador. “Pode, pode”, respondeu Pimentel. A nomeação saiu no dia 14 do mesmo mês.

OUTRO LADO

Procurado pela Folha, o presidente do TJ-MG afirmou, por meio de nota de sua assessoria, que sempre se posicionou contra o repasse ao Executivo dos recursos de depósitos judiciais —que o governo Pimentel acabou conseguindo, em acordo com a antiga direção da corte. “Não faz o menor sentido imaginar que ele iria ajudar o governo Pimentel a conseguir isso”, diz a nota. 

Missias sustentou que era, na ocasião, opositor da gestão do então presidente, Pedro Bittencourt. “Uma das razões que levaram Nelson a se opor ao desembargador Pedro foi exatamente a autorização dada sob sua presidência para que os depósitos judiciais fossem repassados ao Executivo, causando enorme estrago às finanças do tribunal.”

O desembargador alega que jamais conversou com o juiz Wauner a respeito do processo das câmeras de vigilância. “As conversas com o secretário Rômulo Ferraz eram frequentes, diante do conhecimento que tinham, pois ele havia sido procurador de Justiça”, afirmou.

Missias confirmou ter recebido ligações de Durval Angelo “em várias ocasiões”. “Em uma delas, o deputado mencionou um processo em que era parte e o desembargador sugeriu que ele buscasse a conciliação, mas não fez qualquer gestão junto aos desembargadores responsáveis pelo caso”, explicou, acrescentando que o parlamentar foi derrotado em julgamento no TJ-MG e “só conseguiu reverter a decisão” no Supremo. 

O desembargador alega que nunca foi ligado a Alice Birchal e que a apoiou por entender que tinha “o melhor perfil para compor o tribunal”. 

“Nelson efetivamente apoiou a designação da juíza Alice Birchal, mas, quando tocou nesse assunto com o deputado Durval, em outra ocasião, ouviu dele que a nomeação ‘já estava decidida’ pelo governador Pimentel.”

Sobre o telefonema para Pimentel, ele declarou, em entrevista à Folha: “Fiz e vou continuar fazendo. Liguei e falei. Nada que não fosse republicano e não fosse confessável” 

O ex-governador não se manifestou.

Durval Angelo, em nota, afirmou que as transcrições da PF não revelam indícios de recebimento de vantagem nem por ele e nem pelo desembargador. 

“Confirmo o diálogo ocorrido em 11/11/2015 e reafirmo que não demonstra qualquer intervenção em meu favor. Prova disso é que a decisão da Câmara do Tribunal de Justiça foi contrária a mim, somente vindo a ser revertida em instância superior.”

O ex-deputado explicou que sua a “suposta intervenção” para nomear Alice Birchal, “além de não ter ocorrido, era inteiramente desnecessária”. “Afinal, o desembargador Nelson Missias já havia discutido o assunto com ninguém menos que o governador.”

O juiz Gilson Soares disse não ter recebido pedido de Missias sobre o caso dos depósitos judiciais e que seu despacho na ocasião, abrindo vista para o Estado, é feito por escrivão, sem passar pelo magistrado. Ele acrescentou que Missias sempre foi contra a liberação dos depósitos para uso do governo. 

O juiz Wauner Ferreira, em nota, afirmou jamais ter recebido de Missias telefonemas ou pedidos, pessoalmente, em relação a quaisquer ações sob sua jurisdição. Ele destacou “a dignidade e a retidão” do desembargador.

O magistrado disse ter recebido enorme pressão de advogados e de pessoas ligadas a Pimentel para não admitir ação de improbidade sobre o caso Olho Vivo. 

“Diante dos fatos narrados e documentos inclusos nos autos, recebi a ação e a instância superior, em grau de recurso, confirmou essa decisão e decretou a indisponibilidade dos bens dos requeridos. Eu, por minha vez, sequestrei tais bens, inclusive os do senhor Fernando Pimentel”, acrescentou.

Rômulo Ferraz afirmou não se lembrar das conversas, mas que os assuntos tratados com Missias, de caráter institucional, eram inerentes à sua função de subsecretário da Casa Civil à época. Não houve, segundo ele, relacionamento indevido com magistrados.

A Folha não localizou Marco Antônio Rezende.

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