Por diversidade, creche no Rio faz promoção para alunos negros e pardos

A creche Oficina do Crescer, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, possui uma característica frequente em escolas situadas em bairros de classe média alta: entre seus 70 alunos com idades que vão dos seis meses aos cinco anos, nenhum é negro ou pardo.

Ao menos era assim até o início deste ano letivo. Preocupada com a diversidade entre os matriculados, a direção decidiu iniciar uma promoção: para crianças pardas e negras, a mensalidade que custa a partir de R$ 2.000 teria um abatimento de 50%.

“Vivemos em um bairro onde há negros, mas a maioria das pessoas são brancas. O Brasil possui toda uma diversidade e a ausência de representatividade em certos locais perpetua o racismo. E se a gente não aborda isso já na infância, a criança cresce indiferente a essas questões”, diz Stephanie Barbosa, 29, diretora pedagógica da instituição.

Barbosa afirma que a creche vem adotando uma série de medidas para combater o que ela chama de “naturalização das desigualdades”. “Vai além da questão racial. Também nos preocupamos com a igualdade de gênero e inclusão de pessoas com deficiência”, diz.

Uma das ações foi levar à escola mulheres que trabalham em profissões exercidas majoritariamente por homens, como policiais e bombeiras, para conversar com as crianças. Outra preocupação é que os bonecos oferecidos aos alunos também retratem a diversidade racial do Brasil. 

O abatimento surtiu efeito. Duas crianças negras se matricularam na creche após o anúncio da promoção. De acordo com a direção, o valor da bolsa foi aumentado para até 80%, pois muitas famílias ainda consideraram a mensalidade alta com o desconto originalmente ofertado.

Mas a preocupação dos pais que visitaram a creche foi muito além da questão financeira: muitos temem que as crianças sofram preconceito velado dos outros pais ao frequentarem uma creche com ampla maioria branca.

Procurados pela reportagem, eles preferiram não dar entrevista. De acordo com a direção, os pais querem preservar suas identidades após ouvirem uma notícia de que uma criança negra deixou de estudar em uma escola infantil na zona sul da cidade após sofrer ataques racistas.

Na opinião de Igor Cardoso, professor da Faculdade Zumbi dos Palmares, para evitar casos de intolerância e ter efetividade, a promoção da creche precisa ir além. “Nessa idade, o conceito de raça e cor inexiste para a criança. Se eu aprendo dos meus pais que negro é ruim, negro rouba, negro é favelado, eu multiplico isso para os meus filhos, que multiplicarão para os filhos deles. É uma reação em cadeia.”

Por esse motivo, ele acredita que a medida deve ser acompanhada de um trabalho de imersão com os próprios pais.

“Não adianta nada aumentar a diversidade se o pai chegar em casa e falar ‘olha, não quero que você se junte com esse negrinho’. A mudança efetiva ocorre quando você trabalha as duas pontas: as crianças e os pais, de forma a combater o racismo estrutural”.

A direção da escola infantil informou que buscará medidas para impedir que haja alguma manifestação racista.

O analista de sistemas Armênio Lobato, 43, e seu marido Luís Claudio visitaram mais de dez creches antes de escolher uma para os três filhos. “Todas as escolas têm bonecos que as crianças aprendem a ‘cuidar’. Só duas que visitamos tinham bonecos de várias cores. Uma delas pregava a separação de meninos e meninas desde pequenos. A questão da inclusão com certeza foi um diferencial na hora de escolher”, diz Lobato.

Entre os pais com quem o casal tem mais contato, ele diz que todos apoiam a iniciativa da creche. “É ruim que desde cedo as crianças tenham uma visão de separação.”

Apesar do apoio, a diretora afirma que recebeu críticas com a repercussão da medida, provenientes de pessoas sem filhos matriculados na creche. “Duas pessoas conhecidas falaram que ‘ia misturar’ a escola. Mas excluindo esses comentários nós recebemos um feedback muito positivo”, diz.

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