'Pink Carpet' do Met foi manifesto por beleza menos corretinha

Bradam por aí, inclusive este colunista, que tapetes vermelhos saíram de moda. Corrige-se: o que se exauriu, na verdade, foi a tentativa de enfiar pessoas num padrão estético inalcançável para quem acompanha de longe o glamour idealizado pelo showbiz.

Criou-se tantas regras de certo e errado, listas sem fim de mal vestidas, que a beleza perfeitinha das estrelas soa maçante para a maioria da audiência, que, por sua vez, passou a ter como referência gente fora da caixa normatizadora.

O padrão sem padrão, a máxima do "seja o que você quiser ser", passou a valer e vender muito mais do que o decote do momento. Dito isso, fica mais fácil entender os looks "meu-deus-o-que-é-isso?" do Met Gala, que aconteceu nesta segunda-feira (6), em Nova York.

A ideia era extravasar, mandar às favas todas as convenções e fazer da festa o que, para os brasileiros, significaria criar um baile de carnaval. Mas, como se trata do gala que arrecada fundos para o Instituto de Vestuário do Metropolian Museum, com uma lista de convidados escolhidos pela editora-chefe da Vogue americana, Anna Wintour, o bailinho precisa de “dress code”.

Os códigos de vestimenta seguem as diretrizes do tema da exposição anual do Met. Nos últimos anos, os convidados foram impelidos a se inspirar na cultura chinesa, na estética da estilista Rei Kawakubo, da Comme des Garçons, e na influência das religiões na moda. Fácil.

Neste, a coisa complicou quando foi anunciado em coletiva, durante a semana de moda de Milão, que o tema seria um texto de 1964 escrito pela ensaísta americana Susan Sontag, “Notes on Camp” (notas sobre o 'camp'), que, em resumo, batiza a estética do absurdo.

Não qualquer absurdo aleatório, como o mictório dadaísta de Marcel Duchamp, ou um kitsch, que seria um exagerado sem valor, pobre em discurso ou matéria-prima. O “camp” é um exagero calculado, propositalmente estranho, rico em detalhismo e, acima de tudo, subversivo. 

Ele necessariamente desafia o bom senso e o bom gosto utilizando veículos da cultura de massa que, nessa festa, pode ser definido pelo vestido-lustre de Katy Perry ou pelo edredom vestível de Cardi B.

Esse foi um dos temas mais inteligentes e bem amarrados escolhidos pela produção da festa. De um lado havia o patrocinador, a Gucci, maior porta-voz do “camp” aplicado à moda —a cabeça de Jared Leto foi ideia do estilista da marca, Alessandro Michele, para um desfile da grife em Milão; e, do outro, toda a massa de fashionistas e curiosos que cansou da nobreza um tanto antiquada do Oscar.

Ao mesmo tempo, o tema está alinhado à vontade da indústria fashion em romper com as convenções. A última temporada de alta-costura, tratou-se aqui, foi a ponta de lança desse circo extravagante visto no Met Gala 2019, que até na escolha dos anfitriões seguiu a desordem.


No trono havia Lady Gaga, ainda em alta pelos troféus conquistados na temporada de premiações do cinema e que é pioneira da estética “camp” na cultura pop. Reveja os looks usados por ela em aparições da época dos álbuns “The Fame” e “Artpop” que as quatro roupas desfiladas na festa não farão nem cócegas nos olhos.

Na base da coroa da festa esteve o cantor Harry Styles, garoto-propaganda da Gucci, que hoje tenta desconstruir arquétipos masculinos em sua carreira solo pós-One Direction. Foi de unhas pintadas, roupa transparente, nem feminina, nem masculina, e acompanhado de um homem, no caso, o próprio designer responsável pelo look e pelo contrato, Alessandro Michele.

O vestido Cinderela que acende no escuro assinado por Tommy Hilfiger e usado pela multiartista Zendaya; a alfaiataria fetichista desenhada por Riccardo Tisci, da Burberry, para o ator Ezra Miller; e a roupa circense com toques de Carmen Miranda da modelo Cara Delevingne, assinada pela Dior, entregaram a salada de imagens pretendida pelo evento.

Houve, claro, momentos amenos. As modelos Gisele Bündchen, de Stella McCartney, e Doutzen Kroes, com um rosa-choque Giambattista Valli combinado às novas sandálias Vicky, de Alexandre Birman, sagraram a ala das belas.

Se tudo caminhasse como a alta casta da moda deseja, logo elas seriam exceção nos tapetes vermelhos e cederiam lugar ao brilho estapafúrdio, que, embora candidato a meme, renderia momentos mais divertidos do que um punhado de tule cortado.

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