Parto: pra que rimar amor e dor?

​Cheguei ao hospital acompanhada de duas vozes dentro da minha cabeça. Uma apelidei carinhosamente de Açougueira Louca do Mal; a outra, por sua vez, alcunhei calorosamente de Hippie Chatola da Vila Madalena. 

A primeira insistia em resolver logo aquele perrengue (e perseverava, também, nos vocativos irônicos). Você está com dor há dois dias, gata. Quem não dilatou em 48 horas sentindo contrações não dilata mais, meu anjo. Pra que passar por isso em pleno 2018, chuchu? Manda cortar essa barriga e acabar com esse sofrimento de uma vez, amore. 

Oi, coração, perto da sua casa tem um shopping, não um rio (e você prefere o primeiro!). A última vez que meditou, você passou dois dias tomando Tramal pra dor nas costas, bebê. Você prefere Rivotril a incenso, colega. Você adora trabalhar, você ama dinheiro, você tá louca pra negociar aquele roteiro e enfiar a faca no produtor, meu bem. 

Por falar em enfiar a faca, que tal resolver isso logo? Se essa doula vier mais uma vez com a bola de pilates e te mandar ter paciência, você enrosca a “mangueirinha” da ocitocina na garganta dela, combinado? Mais uma cardiotoco ou um exame de toque e você quebra o hospital inteiro, formô? Vamos pular logo pra depressão pós-parto, porque o tempo urge. Lembra do Caetano, de quem você tanto gosta: pra que rimar amor e dor? AGORA!

Doce, mas firme, a outra voz se sobrepunha: respire! Seu corpo está te convidando para uma aventura maravilhosa. Sua neném merece nascer pelas mãos da sábia natureza. Você não é uma máquina de resolver problemas, você é uma benção divina. Não controle, não tema, apenas aceite esse momento mágico e abrace o milagre da vida. 

Se a doula vier mais uma vez com a bola de pilates, mesmo você gemendo que não aguenta mais, seja grata. Se o desmaio estiver chegando, seja grata. A contração agora vem de minuto em minuto e você não sabe se caga, vomita ou soca a cara do seu marido. Seja grata. Se você é boa mãe e ama a sua filha, você vai conseguir!

Por fim (e quando batizei a situação afetuosamente de “fodeu muito”), mandei as duas vozes à merda e decidi que era a hora da anestesia. Era a hora da cesárea. A obstetra concordou —acho que até Buda concordou. Não existe o parto perfeito, mas o parto possível. Bendita cesárea quando necessária. Sou boa mãe pra cacete, queridos.

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