Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça

A memória do desastre de Mariana está sendo apagada. Quase três anos após o maior crime socioambiental do Brasil, são recorrentes os confrontos que contrapõem atingidos e a Samarco, num claro desequilíbrio de forças. No entanto, há muito mais em jogo. Trata-se de uma disputa dos valores que nos constituem como nação.

A visita aos locais devastados e o contato com seus moradores despertam uma profunda angústia, trazida pela dificuldade de relacionamento com a Samarco —apesar dos veiculados esforços que a empresa vem realizando por meio da fundação que a representa, de sugestivo nome “Renova”— e pelo descaso quase generalizado da sociedade.

Desde 2016, seguimos de perto a tragédia por meio dos estudos de campo que realizamos com a escola no 8º ano, acompanhando o extenso processo decisório que envolve o poder público e a empresa. Não custa lembrar que a Samarco é controlada pela Vale S/A e pela BHP Billinton, as duas maiores mineradoras do planeta. Tal processo culminou na criação da Renova e em um acordo (TTAC) que, devido a diversos conflitos de interesse, foi revisto no dia 25 de junho de 2018, em um esforço para garantir maior participação dos atingidos nas decisões da fundação.

Se, por um lado, a atuação do Ministério Público e da sociedade civil tem sido crucial para que haja algum tipo de resistência frente ao poder da mineradora, por outro, os atingidos lutam contra um gradativo processo de esquecimento.

Preocupa-nos, ainda, a situação das outras populações que não aparecem nas manchetes, localizadas ao longo de todo o rio Doce e dele dependentes, citadas muitas vezes pela empresa como “beneficiárias”. Tal concepção parece ser compartilhada por moradores das cidades próximas que rotulam os atingidos como aproveitadores, devido às indenizações que recebem. Estigmatizados, são chamados de “pés-de-lama” e responsabilizados, em alguma medida, pela severa crise econômica que afeta a região desde a interrupção das atividades da mineradora.

Quem são os atingidos? Populações rurais, nações indígenas, ribeirinhos, pessoas cujas tradições muitos não valorizam ou até mesmo desejam que caiam no esquecimento, pois elas parecem ser uma barreira para os ideais de modernidade. Será isso o desenvolvimento? É preciso afirmar a memória desses grupos, que não pode ser apagada.

Walter Benjamin, em “Teses sobre o conceito de História” (1940), apresenta o progresso como uma tempestade que nos impele irresistivelmente para o futuro, enquanto acumula uma estarrecedora montanha de ruínas a nossos pés. É a outra face desse ímpeto que não nos permite parar. Mariana não é, portanto, uma fatalidade.

O que será feito com os locais atingidos? Serão renovados e narrados apenas como um desastre em nosso prometido caminho até o desenvolvimento? Ou serão preservados e incorporados à nossa história —transformados em um memorial, monumento que reafirma nossa identidade, nos relembrando daquilo que não pode ser esquecido, como o gosto amargo que acompanha o progresso a qualquer custo?

É uma decisão que precisamos tomar como sociedade. Há sempre os diretamente atingidos, nosso meio ambiente devastado e um projeto de nação a ser afirmado. Quem terá voz? Desastres como esse irão se repetir caso continuemos a ser coniventes com um modelo de exploração predatório que caracteriza nossa história, que diz respeito a todos nós e ao futuro que estamos construindo.

Subscrevem este artigo 171 alunos e 14 professores do 8º ano do Colégio Santa Cruz, em São Paulo

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