Para jogador da Juventus, colega vítima de racismo provocou ofensas
Apenas horas depois que o presidente da Uefa, a organização que governa o futebol europeu, instou os árbitros a suspender partidas nas quais aconteçam insultos raciais, na terça-feira (2), o atacante Moise Kean, da Juventus, ouviu ofensas racistas de torcedores e depois foi criticado por um colega de time e por seu treinador, que o acusaram de provocar as ofensas.
Os insultos dirigidos a Kean —e a bronca que levou de seu colega de time e de seu treinador— surgiram horas depois que Alexander Ceferin, o presidente da Uefa, declarou em uma conferência sobre igualdade em Londres que sua organização conversaria com os árbitros e os encorajaria a "não ter medo de agir", caso ouvissem insultos racistas vindos da torcida.
Horas mais tarde, em uma partida da série A italiana em Cagliari, Kean, 19, atacante italiano de ascendência marfinense, e dois outros colegas de time, o meio-campista francês Blaise Matuidi e o lateral brasileiro Alex Sandro, foram alvo de uma série de insultos racistas da parte de torcedores do Cagliari, em uma vitória da Juventus por 2 a 0.
Quando Kean, que vem realizando uma grande temporada pela Juventus, marcou o segundo gol para selar a vitória de seu time, ele ficou imóvel, com os braços abertos, diante da torcida da casa, o que resultou em ainda mais insultos.
Matuidi ficou irritado. Giorgio Chiellini, o capitão da Juventus, protestou junto ao árbitro Piero Giacomelli. O capitão do Cagliari, Luca Ceppitelli, pediu que os torcedores de seu time se calassem.
Depois do jogo, porém, Leonardo Bonucci, zagueiro da Juventus, deu a entender que Kean tinha parte da culpa pelo acontecido, porque sua comemoração antagonizou a torcida posicionada na Curva, a área do estádio do Cagliari que concentra os torcedores mais ardentes da equipe, que já estavam lançando insultos racistas contra ele.
"Kean sabe que, quando marca um gol, o foco deve ser comemorar com seus companheiros", disse Bonucci. "Ele sabe que poderia ter feito algo diferente".
"Houve apupos racistas depois do gol. Blaise ouviu e ficou zangado. Acho que a culpa deve ser dividida meio a meio. Moise não deveria ter feito o que fez, e a Curva não deveria ter reagido daquela maneira", disse Bonucci.
Ainda que Massimiliano Allegri, treinador da Juventus, tenha dito a jornalistas que nada justificava o comportamento dos torcedores —e descrevesse as pessoas que insultaram seus jogadores como "idiotas"—, ele também deu a entender que Kean havia "provocado" parte da peçonha.
"Ele não deveria ter celebrado daquela maneira", disse Allegri, que já foi treinador do Cagliari. "Ele é jovem e ainda precisa aprender, mas certas coisas que vêm da torcida não devem ser ouvidas. É preciso muita inteligência para lidar com situações desse tipo, e o atleta não deve provocar as pessoas".
"Isso não significa, é claro, que os idiotas da torcida e a maneira pela qual reagiram sejam justificáveis", ele acrescentou.
Allegri insistiu em que não acredita que suspender partidas seja a solução para insultos racistas, no entanto, porque, em sua opinião, "não se deve punir todos os presentes no estádio pelas ações de alguns poucos".
"Não creio que falar nisso o tempo todo ajude", ele disse.
Kean postou sua resposta em sua conta do Instagram —uma foto que o mostra em silêncio, celebrando o gol com os braços abertos acompanhada pela legenda "a melhor maneira de responder ao racismo".
Tommaso Giulini, presidente do Cagliari, afirmou que jogadores da Juventus lhe haviam dito que Kean estava errado ao comemorar diante da torcida da casa, e lastimou o "moralismo" todo quanto ao incidente, afirmando que os insultos racistas surgiram só depois que Kean provocou os torcedores.
"A Cagliari rejeita as acusações de racismo", ele disse. "Nada havia acontecido até aquele gol. Não explorem o que houve".
Diversos jogadores renomados saíram imediatamente em defesa de Kean: Raheem Sterling, que sofreu insultos racistas nesta temporada, disse a Bonucci no Instagram que os comentários dele eram risíveis. Paul Pogba, ex-jogador da Juventus, encorajou os "bons italianos" a "acordar e não deixar que um pequeno grupo de racistas fale em seu nome".
Os insultos a Kean foram apenas o exemplo mais recente em uma litania de incidentes racistas no futebol italiano. Em dezembro, Kalidou Koulibaly, defensor do Napoli, foi insultado durante um jogo contra a Inter de Milão.
No ano passado, o atacante Michy Batshuayi, que na época defendia o Borussia Dortmund, reclamou de sofrer insultos racistas em um jogo contra a Atalanta em Bergamo. Matuidi sofreu insultos racistas em Cagliari e Verona, no passado.
O grupo ativista Futebol Contra o Racismo na Europa descreveu o problema como "epidêmico" na Itália e o vincula à ascensão de organizações políticas de extrema-direita e de medidas de combate à imigração.