Palco de massacre, nova Raul Brasil pode ter jardim de cerejeiras, auditório e tatame

Um conjunto de cerejeiras cria um jardim aconchegante no pátio. No chão, uma pintura simula um lago de tonalidade azul-piscina com desenhos de carpas avermelhadas em movimento.

No fundo do terreno, um prédio dá vez a um auditório para eventos culturais. Na região da quadra poliesportiva, é visto um tatame. Na fachada do novo prédio, listras em verde e azul quebram o tom suave da construção.

Esses são alguns detalhes do que pode ser a nova cara da Escola Estadual Raul Brasil, de Suzano (SP), local que há um mês enfrentou um dos piores massacres ocorridos em escolas do país.

O projeto arquitetônico, no qual a Folha teve acesso, foi proposto à secretaria de Educação de São Paulo e será avaliado em conjunto pelo governo, direção da unidade, pais e alunos. O nome do arquiteto que elaborou as novas estruturas não foi revelado.

Todas as novas instalações têm uma ligação afetiva com Suzano. As cerejeiras são um símbolo para os japoneses. A cidade da Grande São Paulo tem uma das maiores comunidades nipônicas do estado.

Suzano também possui uma política inclusiva na prática de artes marciais. Cleiton Antonio Ribeiro, 17, um dos cinco alunos mortos no massacre, lutava jiu-jitsu em um projeto social fora dos muros da Raul Brasil. Com a instalação do tatame, a meta é que mais estudantes possam aderir à prática esportiva no colégio.

Segundo Rossieli Soares, secretário de Educação da gestão Doria (PSDB), a ideia é que “a Raul Brasil seja uma nova escola, mas sem perder a sua identidade”.Para o secretário, também está nos planos a instalação de um laboratório maker.

Esse tipo de ambiente de aprendizagem geralmente conta com impressoras 3d, computadores e até drones e é usado para os estudantes criarem soluções inovadoras. “O recurso para as obras virá de parcerias com a iniciativa privada”, afirma Soares.

Até o projeto sair do papel, a meta mais urgente da Raul Brasil será voltar à normalidade. O processo vai exigir ações articuladas e muito tempo. Aberto seis dias depois do atentado, o colégio ainda não conseguiu cumprir o seu calendário pedagógico à risca.

Aulas continuam intercaladas com rodas de conversa, palestras motivacionais e trabalhos culturais. Tudo para não forçar o ritmo nem dos alunos, tampouco dos professores —ainda muito abalados pelo episódio violento.

Beatriz de Souza Reis, 16, presidente do Grêmio Estudantil da Raul Brasil, conta que os alunos foram avisados de que não farão avaliações com nota neste bimestre. “Dessa forma está funcionando muito bem. Sem a pressão por entregar trabalhos e fazer provas, estamos conseguindo encontrar um espaço de respiro para um dar força ao outro”, diz. “Até porque todos aqui ainda estão bem mal. Eu vejo muitos colegas chorando no pátio e pelos cantos. Vai levar muito tempo para tudo voltar ao que era antes”, completa a representante dos estudantes.

O muro do colégio fala por si só. Entre as centenas de mensagens de carinho e conforto, um grafite que estampava o rosto das sete vítimas mortas na escola (cinco alunos e duas funcionárias) foi apagado com tinta azul. Segundo a secretaria de Educação, o pedido partiu de alunos e professores que sempre ficavam entristecidos com a cena.

Ainda não se sabe quantos professores pediram afastamento por questões de saúde e nem o número exato de alunos que foram transferidos da escola um mês após o massacre. À Folha, o secretário da pasta diz que tem conhecimento de duas transferências de docentes. Os alunos ouvidos pela reportagem citam dez casos.

Para Ana Lúcia Ferreira, diretora do sindicato dos professores de Suzano, o futuro da Raul Brasil preocupa por falta de propostas pedagógicas claras. “Só ouvimos que a escola deveria ser militarizada, que os professores deveriam portar armas, mas cadê o plano de reestruturação escolar?”, questiona.

Ferreira defende um planejamento pedagógico diferenciado, transparente e embasado em análises de especialistas em educação. A sindicalista também exige que os pais, os professores e os alunos sejam ouvidos ao longo do processo. “Para além do apoio emocional, qual será o trabalho com os alunos do terceiro ano que farão vestibular neste ano?”, pergunta Ana Lúcia mais uma vez.

Uma professora, com aulas no 6º e no 9º do ensino fundamental, conversou com a Folha sob a condição de anonimato. Ela diz que a medida mais acertada seria transferir a Raul Brasil de endereço. “O clima é de pressão e intimidação. Não haverá trabalho psicológico algum que mude o que aconteceu ali. Não adianta, como fizeram, pintar o piso do saguão. A tragédia está impregnada.”

Do lado dos pais, duas preocupações têm tirado o sono. “Queremos a certeza de que o apoio psicológico vai funcionar sem interrupções e que nossos filhos ficarão seguros lá”, afirma Juliana Ribeiro, 35, porta-voz da comissão de pais do Raul Brasil.

A reportagem esteve na última semana em frente ao colégio. Alunos e professores têm usado um portão lateral para acessar a escola. O movimento é controlado por um funcionário, que se comunica com outro colega via rádio transmissor.

A Folha apurou que todos os alunos e professores começaram a ser fotografados e usarão um cartão com identificação e foto para entrar e sair na escola. O secretário de Educação, Rossieli Soares, disse ser contra o fechamento e a militarização da Raul Brasil, esta última proposta anunciada pelo ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez antes de ser demitido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Rossieli afirmou que foram contratados três psicólogos para prestar atendimentos na escola pelos próximos dois anos. Também foram admitidos mais quatro professores. “Não é uma infração comum o que aconteceu na escola de Suzano. A grande lição é que isso não é uma discussão só de segurança, mas pedagógica”, afirma o secretário.

O melhor a se fazer é respeitar o tempo de cada um, diz Rossieli. “E melhorar o nosso processo de comunicação com todos os envolvidos porque estamos trabalhando para que a Raul Brasil volte a ser a referência que sempre foi”.

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