Otávio Frias Filho, obrigado por tudo

De tudo o que já foi falado sobre a perda dolorosa de Otavio Frias Filho, o que mais me moveu o coração foi a decisão editorial da Rede Globo de ressaltar sua visão da Folha como o “jornal das pessoas que chegavam a São Paulo”. Em outras palavras, o jornal dos imigrantes e dos migrantes.

É o meu caso. Quando fui para São Paulo estudar, fui recebido pela Folha. Mais do que isso, fui preparado pela Folha para aproveitar o que a cidade poderia oferecer de melhor.

A Folha ajudou um garoto que morava no interior do Brasil —em Araguari (MG), para ser preciso— a saber quem era Susan Sontag ou Jane’s Addiction. Mais do que isso, formou um hábito (que tento preservar) de ler com atenção a crítica de cada filme ou peça que entra em cartaz. 

Por causa disso fui ver o Ham-let do Zé Celso (obedecendo à manchete de Caetano Veloso na época, que dizia na lata “Vá Ver o Ham-Let do Teatro Oficina”). Marcelo Drummond e Leona Cavalli permanecem como o Hamlet e a Ofélia definitivos para mim. Personagens universais “abrazyleyrados” pelo gênio que só Zé Celso sabe expressar. 

Não é por acaso que cinema, literatura e teatro eram também os gostos de Otavio Frias Filho. Em grande parte, por sua causa, tornaram-se meus também e, tenho certeza, de muita gente por todo o Brasil. Fico triste por só ter percebido isso agora. Poderia ter agradecido pessoalmente.

Sua partida acontece em um momento muito ruim. Os jornais e o jornalismo estão sob ataque. Não é por acaso que uma das principais bandeiras da chamada “alt-right” (cujo hífen significa o oposto do hífen de Ham-Let do Zé Celso) declarou guerra a três instituições: a academia, a imprensa independente e as artes. Em suma, estão sob ataque os valores que Otavio consolidou como pilares do jornalismo da Folha desde os 1980.

O desafio passa também pela transformação tecnológica que obriga os jornais a se reinventar de forma permanente. Ou, ainda, a enfrentar a concorrência das “fake news”, criadas e disseminadas por ferramentas de propaganda computacional, que em breve incluirão no seu arsenal redes neurais e aprendizado de máquina.

Da mesma forma como a Folha formou a geração das Diretas Já!, o desafio atual do jornal é igualmente complexo na defesa (e reinvenção) da democracia no país. Estamos de novo em uma virada geracional. Cultivar os valores que serão praticados daqui para a frente é tarefa da qual este jornal pode novamente participar.

Como escreveu Hermano Vianna em dezembro de 1999 na Folha no artigo “Internet ou o atoleiro virtual de porcarias”: “A internet se tornou um grande shopping-cilada. Que fazer então? Ecologia política, é claro! É preciso primeiro acreditar que a batalha não está perdida. Ecologia política no ciberespaço significa introjetar sem alarde, com a maior paciência do mundo, o infinito ‘não humano’ do sertão em cada buraco da rede-shopping-center.

Infinito: quem procura acha, não vou aqui dar aqui seu endereço eletrônico. Em resumo: tome conta, com a dignidade de um Riobaldo, da internet. Uma Grande Rede sertaneja seria nossa melhor herança para os milênios que vêm por aí”. 

Todos nós, migrantes sertanejos, sentiremos muita falta de Otavio Frias Filho.

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Já era Fake news disseminada por meio do Pasquino em Roma

Já é Fake news produzida e disseminada por grupos organizados e bem financiados

Já vem Fake news feita e disseminada com inteligência artificial

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