O charuto não é o grande crime de Maduro

Entendo o choque que causou na Venezuela e em boa parte da mídia brasileira as imagens de Nicolás Maduro se fartando em um restaurante chiquérrimo e carésimo de Istambul, ainda por cima fumando um charuto, certamente cubano.

É um flagrante preciso do que venho escrevendo faz muito tempo neste espaço: Maduro não tem um miligrama de esquerda, de socialista, do quer que seja. É um ditador calcado no velhíssimo molde dos ditadores caribenhos. Ponto. Um Somoza do século 21.

A única diferença, em relação aos Somoza da Nicarágua, é quem o apoia. Consta que, em 1939, o presidente Franklin Delano Roosevelt teria dito que Somoza podia ser um filho da puta “mas é nosso filho da puta”.

Hoje, a enorme fatia burra da esquerda brasileira diz a mesma coisa de Maduro, mas o faz em voz baixa.

O choque com a foto de Maduro é compreensível, mas é enxergar a folha da árvore e esquecer o bosque. Vamos combinar que presidentes, democráticos ou não, comem sempre que possível em restaurantes estrelados do Guia Michelin.

Acompanhei dezenas de viagens internacionais de todos os presidentes, desde a redemocratização, e mais de uma vez fiz plantão em restaurante em que jantavam. Podiam não ser restaurantes tão chiques e tão caros quanto o de Maduro em Istambul mas nunca vi um presidente que encostasse o umbigo no balcão de um food truck para comer.

Gozar das delícias do poder é uma atração fatal. Ressalve-se apenas Itamar Franco. Nas viagens dele que acompanhei nunca foi de dar-se a esses gozos.

O problema com Maduro não é nem o restaurante nem o charuto. É a desgraça descomunal que produziu em seu país. E a incapacidade de os venezuelanos e a comunidade internacional acharem um meio de pôr fim à tragédia.

Incapacidade tamanha que, vira e mexe, vem alguém com a proposta de intervenção militar. Até entendo: é puro desespero ante a tragédia, mas é completamente sem sentido.

Faz mais sentido a carta em que os governos de Peru, Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai assinarão na próxima semana para denunciar Maduro perante a Tribunal Penal Internacional por violação dos direitos humanos de maneira sistemática e especificamente por crimes de lesa humanidade.

Pode até não resolver nada da tragédia venezuelana, mas certamente aponta o dedo para os verdadeiros crimes de Maduro, que vão muito além da comida e do charuto de Istambul.

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