Novo disco do Bixiga 70 expande pesquisa afrobrasileira para além dos chavões

Uma das bandas independentes mais inventivas e ativas nos circuitos nacional e estrangeiro, a big band instrumental Bixiga 70 lança seu quarto disco, “Quebra Cabeça”.

A união entre os integrantes do coletivo segue como peça fundamental na criação do disco. Nele, o grupo aprofunda e renova sua exploração do território de fusão da música instrumental africana, latina e brasileira em composições próprias. 

O álbum chega com sonoridade diferente, heterogênea e instigante, fruto de frequentes andanças da banda pelo mundo e de conversas musicais com culturas como as do Rajastão, Cabo Verde, Colômbia e Congo.

A beleza está na arte do encaixe e no cuidado na elaboração desses encontros sonoros.

Diferente do jogo em que o conjunto de peças forma uma só imagem, o quebra-cabeça do Bixiga 70 celebra o encontro harmonioso entre singularidades e diferenças com ousadia e sofisticação.

A busca por novas combinações fica clara nas proeminências da guitarra e do órgão e também na presença mais livre e lúdica do sintetizador. 

“Quebra Cabeça” é um ritual de 11 momentos. A faixa-título que abre os trabalhos é primorosa, uma das melhores do disco. “Ilha Vizinha” traz um diálogo com ritmos do continente africano, como o funaná de Cabo Verde e a inconfundível levada de Kinshasa.

Já “Areia” tem no DNA traços do intercâmbio com a Colômbia, e “Camelo” soa como trilha de um filme de Bollywood dos anos 1970. A misteriosa “Portal” encerra a viagem com suavidade.

Em oito anos de estrada, esse é o primeiro disco batizado com nome próprio, gerado a partir do talento artístico de MZK, parceiro de longa data que fez todas as capas do grupo, mas que agora apresenta um caminho estético novo, experimental e provocador.

A arte traz a foto de um quebra-cabeça de verdade que, montado, mostra uma imagem absurda, cheia de sobreposições a partir de quatro máscaras.

Outra novidade é a produção de Gustavo Lenza, que trouxe novos caminhos para a dinâmica de gravação e arranjos. Lapidou bordas e facilitou os encaixes. Ele é figura conhecida de nossa música contemporânea, ao lado de Metá Metá, Arnaldo Antunes e Céu, com quem ganhou um Grammy.

Política é peça fundamental no universo do Bixiga 70. Em tempos de retrocessos, “Quebra Cabeça” mostra outra face, como sinônimo de desafio.

É no contexto que vivemos hoje, de insatisfação com a situação política e social no país e no mundo, que surge “Primeiramente”. O clipe foi lançado em 2017 com imagens de protestos de diversos cantos. Sua sonoridade é uma das mais pesadas e combativas do disco.

Segundo a banda, é dedicada à luta histórica por garantia de direitos, independente de classe, cor, gênero, religião, etnia ou partido. 

O protesto do Bixiga 70 se dá, prioritariamente, pelo ritmo. Quem já viu a banda ao vivo sabe: o som hipnótico atravessa o público e é convite irresistível a libertar corpos e mentes, como em um transe coletivo.

O disco é resultado da elaboração de ouvidos pensantes, de mentes abertas e atentas, com consciência do próprio valor e em busca de harmonia —embora haja tanto desencaixe nessa vida.

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