Norte da Colômbia vive aumento de assassinatos de indígenas

O estado de Cauca, no sudoeste da Colômbia, vive confrontos entre grupos criminosos e líderes sociais.

Da assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em novembro de 2016, até janeiro, mais de 400 líderes sociais e ambientais, camponeses e indígenas foram assassinados no país, dos quais mais de 80 em Cauca.

Desde meados de 2018, as comunidades indígenas da etnia nasa, que vivem em sua maioria nas montanhas e planícies do norte desse estado, estão sob ataque de criminosos.

Como parte do pacto com as Farc, o governo colombiano se comprometeu a proteger líderes sociais e defensores de direitos humanos. Até agora, porém, os representantes do governo vêm tratando os crimes como casos isolados.

Rodrigo Iscué, da cidade de Jambaló, é um "kiwe thegna", ou guarda indígena; uma pessoa que patrulha o território, garantindo que a ordem pública não seja afetada.

Entre suas funções estão apreensões e queima de drogas traficadas na região, além do resgate de pessoas sequestradas por grupos armados.

Iscué anda com seu bastão de guarda indígena, rádio de comunicação e lenço vermelho e verde, além de dois guarda-costas armados. Rodrigo se diz incomodado, porque não quer a presença de armas de fogo no território que protege.

Esses objetos e o que eles implicam geram desarmonia em "kiwe" --palavra que indica "terra" no idioma nasa yuwe. Segundo o líder, a desarmonia só pode ser consertada com trabalho espiritual dos anciãos, que formam a ponte entre os mundos espiritual e terreno.

São eles quem decidem o nível de risco em que se encontra um habitante do território nasa e os momentos propícios para decidir a resposta a ataques dos grupos armados.

O trabalho de guardiões como Iscué levou à circulação de panfletos, assinados por grupos paramilitares, colocando um preço pelas mortes de autoridades indígenas.

Para compreender esse problema é preciso entender a autonomia indígena na Colômbia. Em 1991, uma nova Constituição garantiu a autonomia e autodeterminação dos indígenas.

Graças a isso, os nasa não precisaram recorrer às ações armadas realizadas durante a existência do movimento indígena Quintín Lame, guerrilha inspirada na figura de Manuel Quintín Lame, líder de um levante na primeira metade do século 20. O movimento se desmobilizou em 1991.

Os moradores da região vêm assistindo ao aumento da violência desde o acordo com as Farc. Além do pacto do governo com a organização paramilitar, eles apontam o aumento do narcotráfico e a chegada de novos grupos armados como fatores que agravam a situação. 

Diante da ausência de controles da força pública, bandos que não têm caráter político se associam a criminosos e se aproveitam do cenário.

Em janeiro, depois que o Exército de Libertação Nacional (ELN) detonou um carro-bomba em uma escola da polícia em Bogotá, o governo do presidente Iván Duque decidiu cortar as negociações com o grupo guerrilheiro, o que gerou medo devido ao possível recrudescimento da violência e à falta de garantias para que se levem adiante as ações de controle territorial.

Apesar de ameaças, atentados e assassinatos, os nasa estão determinados a não sair de seu território, ainda que a violência contra os líderes indígenas por vezes também venha de agentes do próprio Estado.

Em abril de 2017, Verónica (que pediu para que seu sobrenome não fosse publicado) teve sua rotina alterada de uma hora para outra.

O marido dela, Ramón, com quem tem três filhos, trabalhava como porteiro da empresa que presta assistência de saúde às comunidades nasa e era guarda indígena. Em março de 2018, ele teve um desentendimento com o Exército na entrada do território nasa.

Sobre a ponte do rio La Paila, Ramón discutiu com um oficial que exigiu ver os documentos de sua motocicleta. 

Os documentos tinham sido, segundo ele, apreendidos ilegalmente semanas antes pela polícia. De acordo com o relato de Verónica, Ramón foi então ameaçado por um sargento.

Um mês depois, ela estava em casa com os filhos quando ouviu vozes que a chamavam. Ao sair de casa, encontrou autoridades indígenas, amigos e familiares, que lhe contaram que Ramón havia sido assassinado em uma das ruas comerciais de Corinto.

Verónica deixou o local em que vivia e foi com os filhos para a casa de uma de suas irmãs, porque não conseguia ficar na choupana que Ramón construiu para eles.

No começo de fevereiro, os combates nas zonas montanhosas de Corinto, em Cauca, voltaram a ocorrer, após cerca de seis anos de calma naquela área. Ao menos duas pessoas foram assassinadas no contexto desses enfrentamentos.

Tradução de Clara Allain

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