Não siga seu coração

É o mantra do momento: “siga seu coração”. O coração é sábio. O coração sabe o que você é, o que você deseja, o que você merece. Se o coração não reage, não palpita, não canta e não dança, mude de vida, de país, de cidade, de amante, de gênero.

Ou, então, de trabalho. Antigamente, nossos antepassados desejavam apenas sobreviver: o trabalho, tantas vezes desumano, era um simples instrumento para garantir o sustento da família. A ideia, insana, de que o trabalho nos “completa”, nos “realiza”, nos “apaixona”, seria incompreensível para eles.

Mas não é incompreensível para nós. Se não sentimos um amor eterno por cada rotina do escritório, isso é uma derrota existencial.

Repito: “siga seu coração” é o mantra do momento. Mas, pergunto, será um mantra saudável?

Três psicólogos têm dúvidas —e há um estudo a respeito na próxima edição da “Psychological Science” que a revista The Atlantic já divulgou.

Sim, os pesquisadores entendem a raiz democrática do mantra: se, em matéria de trabalho, tudo que interessa é cumprir nossa paixão, isso significa que todos temos uma paixão escondida para cumprir. Noções arcaicas de esforço, mérito ou talento deixam de fazer sentido. Tudo que interessa é experimentar e descobrir o tesouro da nossa vocação.

Infelizmente, o raciocínio não sobrevive a uma análise cuidada. Segundo os autores —Paul O’Keefe, Carol Dweck, Greg Walton— existem duas teorias em confronto em matéria vocacional.

A primeira, intitulada “fixed theory of interests” (qualquer coisa como “teoria fixa dos interesses”), determina que aquilo que nos apaixona já está inscrito no nosso DNA existencial. É a teoria dos românticos que vão pulando de trabalho em trabalho em busca da epifania. Se não encontram essa epifania, a frustração aumenta.

A segunda teoria, intitulada “growth theory” (“teoria do crescimento”), é ligeiramente mais sutil. Aquilo que nos apaixona não é algo que se encontra imediatamente; é algo que se desenvolve ao longo do tempo.

Para os autores, pessoas que se refugiam na primeira teoria dificilmente encontram a paixão que procuram. O mundo não é o reflexo perfeito dos nossos desejos; é ligeiramente mais caótico, imprevisível e diverso do que nossas fantasias mentais.

Quando nos agarramos a uma ideia fixa de realização pessoal, duas coisas acontecem.

Em primeiro lugar, somos cegos para caminhos alternativos —e para oportunidades alternativas. Não nos deixamos surpreender porque o mundo só existe para confirmar o que já sabemos. Pior ainda: encaramos cada surpresa como um desvio intolerável.

Em segundo lugar, não é apenas a cegueira que nos limita; é a intolerância para a dificuldade. Quem acredita na vocação “natural” não concebe a existência de obstáculos “inaturais”. Se as coisas não são tão simples como imaginamos isso só pode significar que estamos no caminho errado.

Moral da história?

Não siga seu coração. Prefira abrir sua cabeça para as possibilidades que existem —e que sua cabeça nem sequer imaginava que existissem. Quem sabe?

Talvez um dia seja possível concluir que, em matéria de coração, é ele que segue a nós, e não ao contrário.

Source link

« Previous article O direito de defesa e a boa-fé processual
Next article » Roqueiro argentino Pity Álvarez confessa homicídio: 'Era ele ou eu'